Tratar doentes de forma integral, atendendo aos aspectos físicos, mas
também aos aspectos sociais e psiocológicos do mesmo. É este,
em suma, o objectivo da Unidade de Tratamento de Dor e Medicina Paliativa do Centro
Hospitalar da Cova da Beira, no Fundão, que na passada sexta-feira, 22,
comemorou dez anos de existência. Criada em 1992, esta infra-estrutura desenvolve
a sua actividade proporcionando cuidados contínuos a doentes oncológicos
avançados, quando são necessários tratamentos e outras medidas
útéis para controlar os sintomas, nomeadamente a dor, e aliviar
o sofrimento sem ter necessariamente o prolongamento da vida, uma vez que a morte
é reconhecida como acontecimento próprio da evolução
natural das respectivas doenças.
Lourenço Marques dirige esta Unidade desde a sua criação.
E frisa que ao longo deste dez anos, a infra-estrutura tem evoluído aos
poucos, tendo já tratado 1107 pessoas. "Cresceu em vários aspectos,
como na imagem que tem. As expectativas das pessoas quanto ao nosso serviço
são cada vez melhores" explica o médico. Àquela Unidade
acorrem doentes que, na maioria das vezes, estão num tal estado de saúde
que o falecimento será quase uma certeza. Por isso, " é preciso
uma assitência global. São pessoas muito sensivéis" afirma
Lourenço Marques. Assim, a Unidade tem ao seu dispôr uma equipa multiprofissional
que engloba mas suas preocupações a família do doente, de
acordo com os princípios da Medicina Paliativa. O objectivo final é
proporcionar a melhor qualidade de vida possível aos doentes, contribuíndo
assim para a qualidade de vida dos seus familiares. Responde-se assim às
necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais presentes.
A Unidade do Fundão foi a primeira iniciativa deste tipo levada a cabo
num hospital público em Portugal. "Preocupamo-nos também com
a família dos doentes. Só assim é correcto trabalhar. Se
não o fizessemos, não estaríamos a desenvolver bem o nosso
trabalho" afirma Lourenço Marques.
A Unidade tem, actualmente, dez camas para internamento, e dispõe de um
equipa constituída por oito enfermeiros, dois médicos anestesistas
em tempo parcial, uma psicóloga clínica, uma assistente social,
um fisioterapeurta, um dietista, auxiliares e um capelão. Recebe doentes
de todo o distrito e em 2001 procedeu a 204 internamentos. Entre 153 doentes,
faleceram nesta Unidade 101 pessoas e na totalidade 116 pessoas morreram depois
de por ali passar. Os principais motivos de internamento têm sido o controle
de sintomas e o esgotamento da família. Quem indica mais vezes a Unidade
aos doentes são os médicos hospitalares. Os tumores que mais vezes
levam o doente à Unidade são os dos órgãos digestivos
(56 casos), órgãos genitais masculinos (18), órgãos
genitais femininos (14) e cancro da mama (15). Os homens preenchem 54 por cento
do total de internamentos e a faixa etária que prevalece é a das
pessoas com mais de 75 anos. Das pessoas que faleceram no internamento, a maioria
eram do Fundão (44), seguindo-se Castelo Branco (24) e Covilhã (17).
"Eutanásia não é caminho a seguir"
Os doentes que ali chegam são tratados com opióides, como a morfina
e o fentanil transdérmico. A utilização deste dois fármacos
tem crescido muito, nos últimos anos, mas esta acaba por ser uma solução
que alivia a dor. "Só o facto de os doentes saberem que o nosso serviço
está sempre disponível já ameniza o sofrimento. O doente
fica mais tranquilo e assim atenua a sua dor" afirma Lourenço Marques.
O médico reconhece que dez camas para uma Unidade deste tipo não
é muito, mas "com os recursos humanos que temos não podemos
correr para um grande tipo de serviços. Têm é que se desenvolver
outros deste género na região. Já se caminha nesse sentido,
mas esta é uma altura de insuficências e ainda será preciso
caminhar muito" afirma o médico, que exemplifica outro tipo de sofrimento.
"Imagine um doente que vem da Sertã para aqui passar os seus últimos
dias. Veja o sofrimento que é para as famílias". Outro dos
aspectos a melhorar, defende o médico, é a formação
de gente especializada para estas unidades." É necessário apostar
mais na formação. Infelizmente, Portugal continua atrasado nesta
área. Temos que ter profissionais bem preparados" afirma Lourenço
Marques.
O chefe de serviço da Unidade diz ser um dever médico tratar a dor
e que a doença oncológica pode ver a dor ser tratada. "Há
muitos doentes que dizem não ter medo de morrer, mas têm medo de
sofrer, têm medo da dor. Nesse sentido defendemos que eles devem ter acesso
aos recursos para alívio da dor. Esta dor pode ser tratada de forma simples
em mais de 90 por cento dos casos" explica o médico. E adianta que
os estabelecimentos de saúde têm que ter estruturas de distribuição
de medicamentos. "Eles têm que chegar ao doente. Na nossa Unidade,
são fornecidos pela nossa farmácia. Tem vantagens porque assim temos
a certeza que os doentes efectuam o tratamento. Não há desperdício
e devia ser um sistema disponível para todos. É o que defendo".
Apesar de tudo, há sempre que demonstre ao médico o desejo de morrer
de forma antecipada. É a chamada eutanásia. No Fundão, os
casos de pessoas que revelam esse desejo são "muito diminutos. Os
que pedem fazem-no porque estão numa situação de muito sofrimento.
É a dor física, com grande intensidade. Mas se houver controlo de
sintomas, acompanhamento, atenção aos aspectos psicológicos
e sociais, esse desejo desaparece" afirma Lourenço Marques. O médico
salienta, no entanto, que discutir esta temática é benéfico,
mas que a legalidade da eutanásia em Portugal "não é
o caminho a seguir. Devemos é desenvolver a assitência que os doentes
precisam".
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