Com apenas
14 anos deixou o Tortosendo, terra onde nasceu, rumo a Lisboa. Tudo era novidade,
numa época marcada pela revolução. O gosto pelo teatro surge
à medida que vai fazendo parte de várias associações
no sentido de intervir também politicamente.
Dedica-se de corpo e alma ao estudo da arte de representar. Primeiro frequenta
o Conservatório e mais tarde ganha um bolsa que lhe permite estudar em
Paris. O regresso a Portugal não foi como esperava. Muitas portas fechadas
e poucas oportunidades para mostrar tudo o que tinha aprendido. Com o tempo e
dedicação conquistou o seu lugar e é hoje reconhecido a nível
nacional.
A par da sua carreira de actor e encenador tem desenvolvido também uma
actividade na área do ensino. Neste momento dá aulas de interpretação
cénica a cantores na Escola Superior de Música de Lisboa.
Urbi @ Orbi - O que sentiu ao saber que ia ser homenageado no Tortosendo?
Paulo Matos - Senti uma grande surpresa, um grande entusiasmo porque as homenagens
normalmente valem por dois aspectos que são complementares. Por um lado
têm um significado importante para a carreira e por outro lado valem pela
dimensão afectiva, que é o caso. Este reconhecimento é feito
por gente de quem me sinto próximo desde a infância. É uma
emoção muito grande.
U @ O - Passou os primeiros anos da sua vida nesta vila,
como vê hoje o Tortosendo e a região?
P. M. - Muito diferente! Por coincidência saí do Tortosendo com
14 anos, exactamente em 1974, o ano do 25 de Abril. Esta zona, como todo o país,
sofreu autênticas reviravoltas, cataclismos de toda a espécie, sociais
e económicos. Nesta região existia um pólo importante da
indústria têxtil que foi praticamente à falência. Mas
passado este período conseguiu-se dar uma reviravolta. Agora é uma
zona em expansão. A Universidade da Beira Interior é um pólo
de dinamização gigantesco. Quando se entra na Covilhã parece
que se está a entrar numa capital. Há novos empreendimentos, novas
estradas. É uma região que soube encontrar o rumo para o futuro.
O que falha é a dimensão cultural onde é necessário
um investimento maior.
U @ O - Como é que alguém da Beira Interior
se adaptou à vida na capital?
P. M. - Foi uma adaptação completamente estonteante. Foi o despertar
para tudo de repente. Comecei a frequentar o liceu em Lisboa e para mim tudo era
novidade. Nessa altura o lado político e de intervenção era
muito forte. Fiz parte de tudo quanto era associação.
U @ O - Quando surgiu o gosto pelo teatro?
P. M. - Nasceu precisamente nessa altura. Nos últimos três anos
de secundário Participava em tudo o que era intervenção.
Mas, nessa altura a intervenção política era dinamizadora
de todas as áreas, inclusivamente da cultura. Existia muita criatividade
e foi daí que me nasceu o gosto pelo teatro.
U @ O - Lembra-se da sua primeira peça?
P. M. - Comecei a fazer teatro desde muito cedo. Tinha por volta dos 15 anos.
Profissionalmente, quando acabei o secundário entrei para o Conservatório
e ao fim do primeiro ano fui convidado para fazer parte dum espectáculo,
um pequenino papel na Cornucópia. Foi a primeira experiência realmente
profissional.
U @ O - Mais tarde viveu em Paris, como descreve essa experiência?
P. M. - Fui para Paris depois de ter acabado o Conservatório. A direcção
da altura propôs-me como melhor aluno do meu ano, obtive uma bolsa de estudos
e fui para Paris fazer basicamente duas coisas. Por um lado, frequentei durante
dois anos a Escola Jacques Le Coq. Uma escola de teatro que eu conhecia muito
bem à distância e apreciava o seu método de abordagem na formação
de actor. Também fiz estudos teatrais universitários. Estive praticamente
quatro anos em Paris e fiz milhares de coisas, porque aproveitei tudo o que podia.
Participei em estágios com dezenas de pessoas, fiz muitos seminários,
pequenos cursos, trabalhei em vários sítios como actor, animador,
fiz teatro de rua, um pouco de tudo.
U @ O - Como foi o regresso a Portugal? Abriram-se portas
a nível profissional?
P. M. - No meu caso foi um pouco o contrário. Como se costuma dizer,
longe da vista , longe do coração e foi o que me aconteceu. Quatro
anos depois, voltei cheio de entusiasmo, experiência e aterro em Lisboa
nos anos 80 que são anos particularmente difíceis na área
da cultura em Portugal. Quase não existiam subsídios para o teatro
e havia uma crise de público generalizada. Andei os primeiros tempos "à
nora". Depois, com muita persistência, acabei por ir encontrando o
meu caminho, o meu lugar.
"Tenho orgulho em ter estado ligado ao teatro
universitário"
|
"Sem usar nenhum adereço, nenhum cenário, faça-me
rir ".
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U @ O - Além do teatro, já trabalhou também
na televisão e no cinema? Qual destas áreas prefere?
P. M. - Eu prefiro o público. Fazer teatro e fazer televisão,
são duas realidades bastante distintas. Não tem quase nada a ver.
Estar hora e meia ou duas horas frente a um público é diferente
de fazer cenas isoladas de novela ou fazer trinta cenas por dia e depois de as
fazer esquece-se o texto e já não se sabe o que é. Eu gosto
muito das duas coisas. Gosto cada vez mais de fazer televisão e novela.
O desafio rápido de um cena, as câmaras e o trabalho com o estúdio,
para mim é fascinante.
Cinema tenho feito. Infelizmente não muito, mas tenho o privilégio
de ter trabalhado várias vezes com o Manoel de Oliveira e com muitos cineastas
portugueses. O cinema é uma realidade distinta, é muito diferente.
Primeiro porque o cinema português, até há uns anos atrás,
era fechado, a maioria do povo português não se revia nos filmes
que estavam a ser feitos. Agora é diferente. Com os telefilmes que são
produzidos, com novas apostas e novos realizadores surgem filmes muito interessantes.
Produzir e representar em cinema é bastante diferente. É tudo mais
fragmentado. Gravamos uma frase, um olhar, um plano de cada vez. Não tem
nada a ver com o estar em palco.
U @ O - Fale-me da peça que vem hoje apresentar "Trifásico".
P. M. - É um solo de comédia. A tradição destes
solos de comédia perdeu-se um pouco porque o Estado Novo foi para a cultura
um abafar completo das possibilidades. Tivemos uma comédia maravilhosa
que se vê nos textos e registos do princípio do século. Essa
comédia foi abafada e foi tudo canalizado para a Revista. Um espectáculo
que congrega várias áreas que são visualmente muito importantes
onde há música e um trocadilho a partir de figuras muito marcadas.
A Revista entrou em decadência não só porque o fascismo acabou,
mas também porque ela própria não se soube renovar. Continuamos
a ter um imaginário relacionado com a comédia sempre muito ligado
à Revista. Os americanos, os ingleses e também os franceses desenvolveram
aquilo a que se chama o "Stand up Comedy". Sem usar nenhum adereço,
nenhum cenário, faça-me rir. É como se fosse uma comédia
centrada naquilo que de mais original, primordial ela tem. Já tinha feito
algumas experiências e agora fiz esta grande experiência que tem tido
muito boa reacção do público. Chamei "Trifásico"
por uma questão de provocação. Um solo de comédia
onde não há mais nada se não eu próprio. Isso obriga
o actor e o criador, a encontrar uma comicidade mais elaborada e subtil. Puxa
pela inteligência do espectador. Resolvemos inventar uma ficha e uma tomada,
mas eu não tenho nada a ver com ela. Estão lá só para
dizer que eu estou eléctrico.
U @ O - Para além de actor é também
encenador. Foi no teatro universitário que deu os primeiros passos. Como
vê o trabalho nessa área?
P. M. - O teatro universitário tem sido ao longo de muitos anos e em
todos os países civilizados, um local de grande inovação.
A maior parte das novas correntes e estilos, os grandes criadores e encenadores
começaram no teatro universitário. É como se a conjugação
entre o sentimento de estar numa universidade e o fazer parte de uma geração
que numa universidade se afirma mais do que nunca, faz de nós um grande
inovador. Tenho orgulho de ter estado ligado ao teatro universitário. Tinha
acabado de voltar de Paris, estava com muitos problemas a nível profissional
mas, tive a oportunidade de formar um grupo universitário com o apoio da
Associação Académica de Lisboa. Fizemos espectáculos
memoráveis.
U @ O - Qual o conselho que dá aos jovens que vêem
no teatro a sua vocação?
P. M. - Dou dois conselhos. Primeiro nunca imaginem que a carreira é
fácil. A concorrência e o desgaste são terríveis. Fazer
teatro só vale a pena se for por paixão. Segundo, fazer teatro deve
ser sempre para o público e nunca contra o público. Mesmo em teatro
universitário devem fazer-se espectáculos que sejam vistos, não
podem ficar fechados no grupo.
"A peça "Partitura Inacabada" que
foi uma co-produção com Lisboa estreou em Castelo Branco e
foi um sucesso desmesurado".
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Trifásico é "um solo de comédia onde não
há mais nada se não eu próprio"
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U @ O - A nível nacional, como vai o teatro superar
a crise económica que se vive um pouco em todas as áreas no nosso
país e à qual a cultura não consegue escapar?
P. M. - Vai ultrapassá-la mal. A cultura resistirá sempre. Terá
novos horizontes mas até então vai passar um mau bocado. As finanças
do País estão mal, este Governo quer à força resolver
o défice orçamental. A cultura passa a ser uma espécie de
bem supérfluo que podemos dispensar. Temos que ser capazes de superar este
problema até melhores oportunidades.
U @ O - Acha que é possível, no futuro, trazer
mais espectáculos de referência para o Interior do País?
P. M. - Este Governo interrompeu, espero que temporariamente, uma iniciativa
que era fundamental e que já durava há uns anos. Era a Rede de Difusão
Cultural. A Covilhã nunca fez parte disso. Aqui, um pouco de crítica
para a Câmara da Covilhã que nunca tentou participar nestas iniciativas.
Tenho estado a percorrer o País nos últimos quatro anos graças
a essa Rede de Difusão.
U @ O - O problema então não é só
do Governo, mas também das autarquias locais?
P. M. - Muitas vezes é das autarquias locais. Há cada vez mais
(agora um pouco menos devido à crise económica) modos de procurar
apoio. Há programas regionais, nacionais, financiamentos europeus e inclusive
a possibilidade de intercâmbio quando o espectáculo é co-produzido,
o que facilita todas as partes. Fiz um projecto enorme com Castelo Branco há
um ano atrás. A peça "Partitura Inacabada" que foi uma
co-produção com Lisboa estreou em Castelo Branco e foi um sucesso
desmesurado. A cidade não se lembrava de assistir a quatro sessões
completamente esgotadas. A iniciativa partiu da Rede de Difusão mas também
do entusiasmo da autarquia. Falei vagamente ao presidente e este disse, "quero".
No caso da Covilhã já mandei muitos projectos, o "Trifásico"
esteve marcado e não faço ideia porque foi adiado. Talvez por questões
económicas. É uma pena, não por mim, mas por toda a circulação
de cultura.
U @ O - Tem novos projectos em mente?
P. M. - Estou a trabalhar intensamente numa próxima encenação,
mais uma vez ópera. Vou encenar um clássico romântico do século
XIX chamado "Casinha de Chocolate". Vai ser no Teatro da Trindade a
partir de 16 de Fevereiro em co-produção com São Carlos e
com a Orquestra Sinfónica. Entretanto vou circular pelo País com
o meu "Trifásico". Irei fazer os "Trifásicos"
sucedâneos e outros projectos que virão mais adiante.
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