António Fidalgo

O espírito da lamúria


Das imagens que as televisões passaram da presidência aberta no distrito da Guarda retive aquela em que uma queijeira se queixava ao Presidente da República de que isto estava muito mau, de que os queijos não se vendiam, e lhe pedia para ver se podia fazer qualquer coisinha pela gente. Aquela mulher era o espírito da lamúria em estado puro de que muito sofre o Interior.
As pessoas aqui queixam-se, lamentam-se da triste sina de viverem esquecidas atrás das serras, de os senhores de Lisboa não lhes prestarem atenção e de as não ajudar o quanto poderiam. É o pendor miserabilista do português em versão genuína do país profundo. Mostrar as chagas para ver se cai alguma esmola.
O espírito de lamúria não é de agora, já é de longa data, e mistura-se com a matreirice camponesa de, desfiando desventuras, sacar ao visitante condoído alguns vinténs. Basta ler Camilo, Aquilino ou Torga, para ver como esta mistura de lamento e de esperteza saloia está na massa do sangue do bom povo português.
Dizer que é o espírito da lamúria é também dizer que é o espírito da esmola. A esmola é o sentido da lamúria. As pessoas queixam-se à espera de esmola, de uma dávida bondosa. Por outro lado, a lamúria é a confissão da incapacidade e da impotência de resolver por si os seus problemas; a solução virá de fora, dos outros mais bem situados, de Lisboa, dos subsídios do Estado.
É chocante ver reflectido na televisão este miserabilismo, que alguns gostam tanto de cultivar. Como se por Lisboa, e nos outros grandes centros, não houvesse problemas e casos sociais mil vezes mais graves. Confrange ver a falta de dignidade que toda a lamúria envolve.
Tão grave como isso, a falta de dignidade, é o péssimo serviço que as pessoas prestam ao desenvolvimento da sua região. O estatuto de coitadinho que se representa é a pior das atitudes que se pode tomar para tomar em mãos o próprio destino e forçar a sorte, como outros povos fazem em outras longitudes e latitudes.
Razão tem o Presidente da ANIL, José Robalo, quando critica o discurso de crise e de queixume que grassa na região. Esse discurso não nos favorece. Quanto mais se fala em crise, mais ela aparece e se converte em voragem que tudo leva atrás de si.
Se há algo que se precisa aqui é confiança nas próprias forças. Havendo essa confiança, essa fé em nós próprios, tudo o resto virá por arrasto, pelo trabalho das próprias mãos.