José Geraldes


Mau gosto



Não se trata de fazer moralismo. Nem de desencadear qualquer cruzada. Mas há iniciativas de tão mau gosto e de falta de uma mínima dose de bom senso que só neste "evoluído" Portugal podem acontecer. Vamos ao facto.
A Câmara de Cascais quis presentear os delegados ao Congresso do Partido Popular Europeu com a ante-estreia do espectáculo do Casino Estoril intitulado Egoísta onde, ao lado de "nus integrais", surgem paródias à Última Ceia e à criação de Adão e Eva relatada nas primeiras páginas da Bíblia.
Certamente houve uma certa ingenuidade na escolha de tal espectáculo a avaliar pelo comentário do próprio presidente, o ex-ministro e ex-euroeurodeputado António Capucho que, em declarações ao Diário de Notícias, declarou "nada parecia ter havido que os (congressistas) pudesse ter susceptilizado."
Estas declarações eram uma reacção à notícia publicada, com grande destaque, pelo influente diário espanhol El País.
A questão é que dezenas de congressistas, segundo relata o jornal, abandonaram o Casino Estoril com cara de caso, proferindo comentários pouco abonatórios em relação ao espectáculo e à iniciativa do convite. O El País cita opiniões dos congressistas: "Tudo era de mau gosto e de uma pobreza incrível."(...) "Era uma clara paródia à Última Ceia". (...) "Não me pareceu adequado."
Para que se compreenda bem a atitude destes congressistas, convém lembrar que a Última Ceia é o que há de mais sagrado na religião cristã. Imagine-se o pôr a ridículo um acto sagrado do Islão e veríamos o que ia acontecer. Mas ninguém se atreve a isso! Ora com as religiões que pertencem à nossa maior intimidade, não se brinca, pois é pôr em questão convicções de consciência.
Há limites a respeitar para não ofender as crenças de quem quer que seja. Trata-se de um acto de boa educação e de boas maneiras. Mas a tolerância não pode permitir a intolerância dos valores sagrados de cada um.
Uma coisa é criticar, outra é parodiar actos considerados sagrados. Mas parece que este hábito de parodiar se tem por natural como beber um copo de água.
Entre nós, entrou na moda este tipo de paródias a cenas do cristianismo. Será por falta de assunto? Recalcamentos "freudianos"? Ou por laivos que ainda restam de anti-clericalismo ?
Se sim, então estamos a retroceder no comportamento colectivo ou ainda nada aprendemos do que significa viver em democracia. Ou anda por aí, de novo, o espírito revivalista do "mata-frades" que, com as suas leis, só prejudicou a evolução cultural do País. O juízo da História é implacável.
O convite de António Capucho é uma agressão às crenças dos congressistas que, para cúmulo, se reclamavam até da matriz de valores cristãos. Congressistas que manifestaram claramente o seu repúdio. Mas, como escrevia Graça Franco no Público "só cá" é que se torna possível acontecerem destas coisas.
E por culpa das "chamadas elites" do País.
Que de elites só têm o nome. Quanto aos actos, são um mau exemplo para o povo. Os exemplos estão à vista. Basta ouvi-los e vê-los nas televisões a insultarem-se diariamente. Pobre democracia! Pobre País !