Anabela Gradim
|
Estética da praxe
Sempre fui contra a praxe. Rituais
de nivelamento, flagelação e humilhação
colectiva nem na tropa se justificam - embora aí,
pelo menos, se consiga perscrutar o sentido que lhe atribuem
os seus mentores. Certo é que, acompanhando a expansão
e massificação do Ensino Superior, as praxes
têm crescido. A justificação dos muitos
adeptos escora-se, parece-me, sobretudo em argumentos
identitários, e na necessidade de promover uma
rápida "integração" dos
neófitos. Pode ser. Mas tenho dúvidas. Há
pessoas que lidam bem com situações desse
género. Outras - porque todos são diferentes
- ficam positivamente aterrorizadas, e as marcas de uma
praxe negativa podem ensombrar-lhes a vivência académica
futura.
Acredito, também, que seria possível encontrar
muitas formas alternativas de promover a pertença
e integração. A UBI até as tem, nas
actividades culturais, nas tunas, no festival de teatro,
na actividade dos núcleos, e na que é levada
a cabo pelo cine-clube. Mais do que as praxes, é
a continuidade de tais actividades que promove duradouramente
um ambiente estudantil, identidade própria e espírito
de corpo. Onde haja lugar para a diferença.
Ao invés, o que tristemente observamos por todo
o País são, anos a fio, relatos de más
práticas relacionadas com as praxes. É verdade
que as "boas práticas" não são
notícia nem chegam aos jornais. Mas não
deixam de ser arrepiantes esses relatos de exibição
boçal de poder, dominação e bota
cardada. E o pior é que a moda alastra, e hoje
já se manifesta, sem qualquer justificação,
no secundário e no terceiro ciclo. Ora infelizmente
as escolas já são locais suficientemente
violentos para alguns jovens, mesmo sem rituais organizados
para a convocar.
Na Covilhã, a possibilidade de ser "objector"
e a divulgação forte de que foi alvo é
um dos pontos positivos da praxe ubiana. Bom seria, também,
que tentassem marcar a diferença pela positiva
em relação às outras academias, expurgando
tais rituais carga de poder que ainda hoje inevitavelmente
comportam.
As grandes manifestações colectivas são
locais privilegiados de revelação do indivíduo,
e creio que aquilo que aí se mostra é parte
essencial e constitutiva de cada um - ou, mais prosaicamente,
aquilo que, no meio da massa, vem à tona nos comportamentos
individuais é exactamente o que o que repousa no
indivíduo. Sem máscara. É o enraizado
e sedimentado naquela personalidade, que dificilmente
poderá ser alterado. Quando o verniz estala, e
sobretudo em situações que envolvem um potencial
de crueldade e humilhação, não é
gaffe ou deslize que se revela, mas verdadeira falha de
carácter. Por isso devia cultivar-se uma estética
da praxe, à semelhança das boas maneiras,
que promovesse as boas práticas. Para que o verniz
não estale. E não sejamos obrigados a ver
os outros como eles são.
|