José Geraldes


Corrupção e pacto de regime

A corrupção existiu sempre em maior ou menor grau. E em todas as sociedades. Sob vários nomes e sofisticadas formas.
Por ironia das coisas e numa conjugação de factores diversos, o fenómeno cresceu entre nós após o 25 de Abril, não por culpa da "revolução dos cravos" mas por um aproveitamento de "chicos-espertos" que exploraram uma certa ingenuidade dos militares.
Com a proliferação dos "novos ricos" e mais tarde com o flagelo da droga, a corrupção instalou-se a níveis assustadores. E a tal ponto que Portugal actualmente ocupa o 27º lugar a nível internacional.
O problema veio agora de novo à colação com declarações do ex-ministro socialista João Cravinho e da ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite. Disse Cravinho à Rádio Renascença : "O sistema político tem sido muito pouco eficaz no combate à corrupção e à evasão fiscal. Os sucessivos Governos não puseram nesta questão toda a ênfase, todo o rigor que deviam ter posto. Porquê ? Porque quem ganhar eleições tem que se servir deles também. Isto é um erro fatal que temos limpar por completo com a maior urgência."
Manuela Ferreira Leite no Congresso da Associação Cristã de Empresários e Gestores tomou uma posição no mesmo sentido.
A corrupção é hoje na sociedade portuguesa um cancro a minar todo o alicerce moral da nossa economia. Conluios, negociatas, tráfico de droga abundam e parece que há medo de travar esta engrenagem diabólica. A ministra das Finanças tem a maior determinação nesta luta.
A vitória de eleições não pode estar dependente dos senhores que constroem fortunas na corrupção. Por isso, os políticos de todos os quadrantes partidários têm de fazer um pacto de regime sobre a corrupção, a fraude fiscal e as chantagens que também proliferam.
João Cravinho põe o dedo na ferida ao culpar todos os governos. Todos os que foram ministros devem bater com a mão no peito pelo pecado de omissão nesta matéria.
Mas faça-se também ouvir a voz dos cidadãos na intervenção das acções a empreender. João Paulo II escrevia já em 1998 : " É preciso coragem mesmo só para denunciá-la (a corrupção). Depois para suprimi-la, requer-se, juntamente com a vontade tenaz das autoridades, o apoio generoso de todos os cidadãos, sustentados por uma forte consciência moral." Agora podemos perguntar : será preciso acrescentar mais alguma coisa? O Papa traça o programa. Basta aplicá-lo.
Isto só se consegue mediante a aquisição de valores. A escritora Inês Pedrosa em recente crónica no Expresso citava pais ateus que louvavam entusiasticamente as virtudes dos colégios religiosos. Porquê? "É que gente já nem sabe que valores há-de dar aos miúdos. Num mundo como este está, mais vale que acreditem em qualquer coisa, de outra maneira não há moral que lhes entre." A citação é clara como água.
Sem valores a orientar a vida, a corrupção entra mais facilmente. E, sem as bases de uma sólida formação da personalidade, os jovens ficam à deriva.
Ao menos as aulas de Religião e Moral dão princípios de formação para a vida aos futuros homens e mulheres. Afinal estas aulas integradas no Ensino Básico cumpriam esta função. Mas certos "paizinhos" e certos laicistas com a visão do mundo do séc.XVIII consideram que a aula lhes faz mal. E o ministro David Justino não teve coragem para manter a decisão inicial.
Como dizia Cassius, no Júlio César de Shakespeare : "A culpa, meu caro Brutus, não está nas estrelas mas em nós próprios".