Jorge Bacelar

Quando o arbusto derruba a árvore


Para acabar com os incêndios florestais, simplesmente, abatam-se as árvores. Foi com esta simplicidade, com esta demonstração de génio que Bush (arbusto) nos presenteou há dias. De facto o homem é um assombro! Desde Colombo que ninguém aparecia com uma solução tão óbvia para uma questão que, no fim, se revela tão simples como a sua solução. Se não houver árvores, não há incêndios florestais. Limpinho.
Este princípio pode (deve) doravante ser aplicado a todas as questões práticas que atormentam o nosso quotidiano. Deixo já algumas ideias, com o cuidado de não reivindicar para mim os direitos de autor, pois Bush é o detentor do copirráite!
Comecemos, por exemplo, com o flagelo da pedofilia. Um fenómeno tão grotesco e chocante para o qual as polícias e a sociedade não encontram solução, resolve-se facilmente à luz da Lei de Bush: deixemos de fazer crianças. Sem crianças, não haverá pedófilos. Voilà.
Insucesso escolar? Fácil: fechar as escolas. Acabar com a escolaridade obrigatória. Sem escolas, não há notas altas e notas baixas. Não há, portanto, nem insucesso nem abandono. Problema resolvido. Esta questão ainda traria um efeito secundário benéfico: deixava de existir a despesa que o Estado tem com as escolas e os professores e funcionários. Talvez assim conseguíssemos chegar às metas da convergência, fetiche dos eurocratas e sonho húmido dos economistas da situação.
Por falar em escolas, já agora, como quem não quer a coisa, o nosso ministro das guerras, Paulo Portas, teria dito no comício da rentrée que "‘eles’ querem que nas empresas não se trabalhe e nas escolas não se estude". Se calhar, à luz da teoria da conspiração, até é verdade. Mas quem são ‘eles’? Marcianos verdes? Talibãs? A CIA? O homem tem de ser mais explícito a designar o inimigo, senão é a confusão total nas fileiras! É que, pelo andar da coisa, por aquilo que estou presentemente a viver na Universidade, onde preciso de montar um laboratório para os meus alunos poderem aprender, onde preciso de contratar professores qualificados para os ensinar, as respostas às minhas solicitações (e não sou o único a ouvi-las, não, isto não é uma conspiração contra a minha insignificante pessoa), as respostas, dizia, apontam todas no mesmo sentido: ‘não há dinheiro’, ‘não há contratações’, ‘desenrasquem-se’, ‘as finanças não autorizam’.
Eu sei que sou um bocadinho retorcido e (por vezes) mauzinho, mas os ‘eles’ que Paulo Portas denunciava no comício, não serão os que estão no governo? Afinal, parece que "‘eles’ querem que nas escolas não se estude". Esta é uma bela forma de garantir que a qualificação cultural e profissional dos nossos jovens fique aquém da dos parceiros europeus. Garantindo a perpetuação da nossa subalternidade. E assim, tão certo como não havendo árvores não há incêndios florestais, ‘eles’ vão consegui-lo.