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Beira Serra : acessibilidades
Ante a desorientação
patente no planeamento territorial português decidimos,
mais uma vez a esmo, tornar ao assunto das acessibilidades
da Beira ao Atlântico, lançando sementes
que, prevemos, dificilmente florescerão neste interim
estival. Ainda assim, o tom é grave.
1. O sistema composto pelas serras
da Estrela, Açor e Lousã, contido a noroeste
e a sudeste pelos cursos dos rios Mondego e Zêzere,
respectivamente, é parte de um Portugal perdido,
na iminência de tornar-se pior: decorativo, qualificado
de "tipical".
Terra beiroa, constituída de granito e xisto, revestida
de giesta e urze, centro e margem do país, carece
de uma infra-estrutura aglutinadora, cujo sentido estratégico
ultrapasse o mero utilitarismo das acessibilidades.
Entendemos ser prioritário estimular a função
social do transporte, invertendo a tendência generalizada
para o uso do automóvel, promovendo situações
que, sem inibirem a viagem, não desqualifiquem
o ambiente (poluição sonora, química
e atmosférica, detritos e ocupação
desbragada do solo com viadutos e acessos amiúde
desproporcionados) e contrariem a sangria - chamam-lhe
êxodo - de população rural para as
cidades, geralmente para engrossar as desqualificadas,
vulgares e humanamente empobrecidas periferias. Urge,
pois, estabelecer uma rede que altere a nossa noção
dos limites, físicos mas também mentais,
e possa redesenhar a estrutura das relações.
Se as novas tecnologias de transporte não recompuserem
as assimetrias regionais, e inflectirem os indícios
de crise populacional, o que o fará?
2. É evidente que o eixo Guarda
- Belmonte - Covilhã - Fundão, acentuado
pelo IP2, carece de uma ligação eficaz ao
litoral. Porém, num momento em que se dá
como adquirido a prossecução das obras do
IC7 (6?) até à Beira Interior, infeliz e
inexplicavelmente (?) estagnadas pelo caciquismo do Governo
anterior em Mouronho, julgo ser oportuno, e nada contraditório,
encararmos novo desafio civilizacional: o da ligação
ao Atlântico e a Espanha, participando numa rede
ferroviária transeuropeia - deficiência que
muito nos distingue da Europa próspera e progressiva
que considera, desde meados de Oitocentos, a facilidade
de circulação de passageiros e mercadorias
um bem inestimável.
O referido eixo, deve clarificar-se e assumir o sentido
estratégico da expansão a oeste. Esta premissa,
exige considerar a linha desde Figueira da Foz, passando
por Montemor-O-Velho, Coimbra, Vila Nova de Poiares, Lousã
e Góis até Pampilhosa da Serra como o prolongamento
natural e estruturante horizontal do Centro.
Só deste modo, poderemos inaugurar um conceito
metropolitano, aglutinando as povoações
do vale do Zêzere em rede e, a partir do Barco,
rumar ao Alto Ceira, facilitando o percurso de 100Km entre
Coimbra e Covilhã, acedendo à linha do Norte
e aos portos de mar.
3. Assinalava recentemente o Prof.
António Brotas (Público.05'ago.p7), a propósito
da construção de 7000Km de linhas de alta
velocidade com bitola europeia em Espanha, ser urgente
um acordo sobre os projectos de interesse comum, a defender
nos próximos encontros ibéricos sobre os
caminhos-de-ferro. Referia-se à validade e interesse
de três projectos em particular: a linha do Porto
à Corunha; a linha de Aveiro a Valladolid, por
Viseu; e a ligação Lisboa, Badajoz até
Madrid. Todos eles passíveis de obtenção
de créditos em Bruxelas. Acentuando ainda que,
desta forma, assegurando com correcção as
ligações ao exterior, resolveremos alguns
dos mais prementes problema endógenos.
Este aspecto macroscópico da rede principal interessa-nos,
na medida em que recoloca o problema da rede secundária,
cuja antecipação deve mobilizar os responsáveis
políticos, a fim de que haja as necessárias
correspondências regionais dos traçados.
Evitando o "déjà vu" da serôdia
tentativa de modernização da linha da Beira
Baixa, e do lastimável atalho ferroviário
entre Covilhã e Guarda. A alternativa de locomoção
ferroviária, só não é um sucesso
técnico e comercial entre nós porque o anquilosado
mapa ferroviário é pouco atractivo, mercê
do sarro e excentricidade das estações,
do desconforto das composições circulantes
e da ineficácia dos serviços de apoio aos
passageiros, além da falta de pontualidade e da
incompatibilidade de horários com outros meios
de transporte.
4. Por ser assunto correlativo, a pretensão
de que a ligação viária entre Covilhã
e Coimbra seja sob a forma de auto-estrada parece, desde
logo, enfermar de alguma megalomania. Ademais de pressupor
protelar a obra -devido à implícita necessidade
de revisão do traçado do IC7 (6?)- defrontar-se-á
com algumas contrariedades difíceis de rebater:
acidentadas condições orográficas,
aliadas às especificidades do perfil de uma auto-estrada
(largura e áreas de servidão, extensão,
proporção e espaçamento dos ramais
de acesso).
Para os que conhecem os vales do Alva, do Ceira e do Mondego,
é óbvio que o impacte ambiental de uma intervenção
deste tipo não seria fácil de minimizar,
a menos que se optasse por uma intervenção
de cariz alpino, com viadutos e túneis, onerosa
e apenas justificável para fluxos de tráfego
elevados. Acresce que, sendo as auto-estradas espaços
de ausência, não respondem às necessidades
cívicas de interacção humana nem
à escala do entorno e reduzem a eficácia
das medidas de restrição à circulação
automóvel, que tendem a generalizar-se nos centros
urbanos.
Mais sensato será batermo-nos para que o IC7(6?)
atravesse, quanto antes, o planalto beirão, se
prolongue a partir de Galizes rumo a Pedras Lavradas e
daí até ao IP2. Neste último troço
exige-se, antes de mais, alto sentido de Estado, para
que o seu desenho não dependa, como foi uso na
EN230, das habituais trocas de benesses (e de cabritos),
antes observe o melhor itinerário.
5. Numa altura em que, inaugurado
mais um retalho do IP2, se discute a introdução
de portagens em vias sem alternativa capaz, torna-se mais
claro para os beirões o encargo real implicado
na locomoção rodoviária. É,
pois, necessário compreender a relação
de complementaridade entre as ligações rodoviária
e ferroviária, desenvolvendo medidas que compensem
o magnetismo de Lisboa e de Madrid em todos os azimutes.
Quando toda a Europa estabelece e afere planos ferroviários
(não só de alta velocidade), construir caminho-de-ferro,
dará um sinal ecológico ao povo, será
menos oneroso do que a auto-estrada, terá menor
impacte paisagístico, minimizará a sobrecarga
económica decorrente do uso de automóvel
e, decerto, contribuirá para diminuir a taxa de
sinistralidade.
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