Francisco Paiva

Beira Serra : acessibilidades


Ante a desorientação patente no planeamento territorial português decidimos, mais uma vez a esmo, tornar ao assunto das acessibilidades da Beira ao Atlântico, lançando sementes que, prevemos, dificilmente florescerão neste interim estival. Ainda assim, o tom é grave.

1. O sistema composto pelas serras da Estrela, Açor e Lousã, contido a noroeste e a sudeste pelos cursos dos rios Mondego e Zêzere, respectivamente, é parte de um Portugal perdido, na iminência de tornar-se pior: decorativo, qualificado de "tipical".
Terra beiroa, constituída de granito e xisto, revestida de giesta e urze, centro e margem do país, carece de uma infra-estrutura aglutinadora, cujo sentido estratégico ultrapasse o mero utilitarismo das acessibilidades.
Entendemos ser prioritário estimular a função social do transporte, invertendo a tendência generalizada para o uso do automóvel, promovendo situações que, sem inibirem a viagem, não desqualifiquem o ambiente (poluição sonora, química e atmosférica, detritos e ocupação desbragada do solo com viadutos e acessos amiúde desproporcionados) e contrariem a sangria - chamam-lhe êxodo - de população rural para as cidades, geralmente para engrossar as desqualificadas, vulgares e humanamente empobrecidas periferias. Urge, pois, estabelecer uma rede que altere a nossa noção dos limites, físicos mas também mentais, e possa redesenhar a estrutura das relações.
Se as novas tecnologias de transporte não recompuserem as assimetrias regionais, e inflectirem os indícios de crise populacional, o que o fará?

2. É evidente que o eixo Guarda - Belmonte - Covilhã - Fundão, acentuado pelo IP2, carece de uma ligação eficaz ao litoral. Porém, num momento em que se dá como adquirido a prossecução das obras do IC7 (6?) até à Beira Interior, infeliz e inexplicavelmente (?) estagnadas pelo caciquismo do Governo anterior em Mouronho, julgo ser oportuno, e nada contraditório, encararmos novo desafio civilizacional: o da ligação ao Atlântico e a Espanha, participando numa rede ferroviária transeuropeia - deficiência que muito nos distingue da Europa próspera e progressiva que considera, desde meados de Oitocentos, a facilidade de circulação de passageiros e mercadorias um bem inestimável.
O referido eixo, deve clarificar-se e assumir o sentido estratégico da expansão a oeste. Esta premissa, exige considerar a linha desde Figueira da Foz, passando por Montemor-O-Velho, Coimbra, Vila Nova de Poiares, Lousã e Góis até Pampilhosa da Serra como o prolongamento natural e estruturante horizontal do Centro.
Só deste modo, poderemos inaugurar um conceito metropolitano, aglutinando as povoações do vale do Zêzere em rede e, a partir do Barco, rumar ao Alto Ceira, facilitando o percurso de 100Km entre Coimbra e Covilhã, acedendo à linha do Norte e aos portos de mar.

3. Assinalava recentemente o Prof. António Brotas (Público.05'ago.p7), a propósito da construção de 7000Km de linhas de alta velocidade com bitola europeia em Espanha, ser urgente um acordo sobre os projectos de interesse comum, a defender nos próximos encontros ibéricos sobre os caminhos-de-ferro. Referia-se à validade e interesse de três projectos em particular: a linha do Porto à Corunha; a linha de Aveiro a Valladolid, por Viseu; e a ligação Lisboa, Badajoz até Madrid. Todos eles passíveis de obtenção de créditos em Bruxelas. Acentuando ainda que, desta forma, assegurando com correcção as ligações ao exterior, resolveremos alguns dos mais prementes problema endógenos.
Este aspecto macroscópico da rede principal interessa-nos, na medida em que recoloca o problema da rede secundária, cuja antecipação deve mobilizar os responsáveis políticos, a fim de que haja as necessárias correspondências regionais dos traçados. Evitando o "déjà vu" da serôdia tentativa de modernização da linha da Beira Baixa, e do lastimável atalho ferroviário entre Covilhã e Guarda. A alternativa de locomoção ferroviária, só não é um sucesso técnico e comercial entre nós porque o anquilosado mapa ferroviário é pouco atractivo, mercê do sarro e excentricidade das estações, do desconforto das composições circulantes e da ineficácia dos serviços de apoio aos passageiros, além da falta de pontualidade e da incompatibilidade de horários com outros meios de transporte.

4. Por ser assunto correlativo, a pretensão de que a ligação viária entre Covilhã e Coimbra seja sob a forma de auto-estrada parece, desde logo, enfermar de alguma megalomania. Ademais de pressupor protelar a obra -devido à implícita necessidade de revisão do traçado do IC7 (6?)- defrontar-se-á com algumas contrariedades difíceis de rebater: acidentadas condições orográficas, aliadas às especificidades do perfil de uma auto-estrada (largura e áreas de servidão, extensão, proporção e espaçamento dos ramais de acesso).
Para os que conhecem os vales do Alva, do Ceira e do Mondego, é óbvio que o impacte ambiental de uma intervenção deste tipo não seria fácil de minimizar, a menos que se optasse por uma intervenção de cariz alpino, com viadutos e túneis, onerosa e apenas justificável para fluxos de tráfego elevados. Acresce que, sendo as auto-estradas espaços de ausência, não respondem às necessidades cívicas de interacção humana nem à escala do entorno e reduzem a eficácia das medidas de restrição à circulação automóvel, que tendem a generalizar-se nos centros urbanos.
Mais sensato será batermo-nos para que o IC7(6?) atravesse, quanto antes, o planalto beirão, se prolongue a partir de Galizes rumo a Pedras Lavradas e daí até ao IP2. Neste último troço exige-se, antes de mais, alto sentido de Estado, para que o seu desenho não dependa, como foi uso na EN230, das habituais trocas de benesses (e de cabritos), antes observe o melhor itinerário.

5. Numa altura em que, inaugurado mais um retalho do IP2, se discute a introdução de portagens em vias sem alternativa capaz, torna-se mais claro para os beirões o encargo real implicado na locomoção rodoviária. É, pois, necessário compreender a relação de complementaridade entre as ligações rodoviária e ferroviária, desenvolvendo medidas que compensem o magnetismo de Lisboa e de Madrid em todos os azimutes.
Quando toda a Europa estabelece e afere planos ferroviários (não só de alta velocidade), construir caminho-de-ferro, dará um sinal ecológico ao povo, será menos oneroso do que a auto-estrada, terá menor impacte paisagístico, minimizará a sobrecarga económica decorrente do uso de automóvel e, decerto, contribuirá para diminuir a taxa de sinistralidade.