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O mundo das idades para
Nasci num mundo cheio de "idades para". Gostava
de encontrar o arquitecto dessas fronteiras para que mas
explicasse pois, honestamente, não as percebo.
E, uma vez que não as percebo, recuso viver trancada
entre elas. Porque, como alguém disse, o mapa não
é o território, não aceito que cartografem
a minha vida de acordo com as inusitadas medidas desse
autor fantasma (a "sociedade"? o "sistema"?
"deus"?...) que todos respeitam, alguns questionam
mas pelos vistos ninguém conhece.
Neste mundo de "idades para", estou estatisticamente
classificada numa secção - a dos "jovens"
- que, desde logo, me inclui em subsecções
como "idade para arriscar", "idade para
errar" e "idade para amar". Há certamente
outras, mas uma análise recente das minhas conversas
com pais e amigos apura estas como as mais recorrentes.
Isto significa que, seguindo a tabela bancária
segundo a qual são jovens os clientes até
aos 30 anos, mais bonificação menos bonificação,
a partir daí já não posso amar (porque,
se tiver "juízo" - esta é uma
das minhas preferidas! - já estarei casada e isso
do amor já está na lista dos bens adquiridos),
nem arriscar (uma vez que, depois dos 30, já é
altura de assegurar casa e carro próprios e de
começar a pensar na Poupança Reforma) e
muito menos errar (porque, obviamente, não posso
arriscar a família, a casa, o carro e a dita poupança!).
Ufa, ainda bem que me dei conta disto tudo a seis anos
de passar para a secção "adultos"!!
Neste mundo de "idades para", toda a gente é
polícia de toda a gente. Ninguém faz nem
deixa fazer. Ninguém deixa fazer o que não
fez. Toda a gente aponta prontamente o dedo da censura
às transgressões alheias, não por
convicção no erro do outro mas - e nisto
acredito piamente! - porque não têm coragem
de apontar o dedo a si próprios, porque é
mais fácil criticar quem arrisca do que admitir
que o que enfurece é nunca ter arriscado. O que
irrita e angustia na coragem e ousadia dos outros é
a nossa cobardia e o nosso medo.
O mundo das "idades para" é também,
consequentemente, o mundo do "tarde demais".
"Se não o fizeste na idade certa agora é
tarde demais". "Tens que o fazer agora porque
depois vai ser tarde demais". Porquê tarde
demais? Recuso-me a acreditar em "tarde demais"
para fazer seja o que for. Casar aos 70, vestir calças
de ganga aos 60, mudar de emprego aos 50, largar tudo
e começar de novo seja em que idade for só
é "tarde demais" para quem tem medo de
viver - e das consequências de viver. Porque viver
é arriscar e arriscar implica, sempre, a hipótese
de errar. Mas até mesmo isso de "errar"
é um daqueles conceitos estranhos que este mundo
de "idades para" utiliza para nos fazer sentir
culpados e para ver se, de uma vez por todas, temos juízo
e aceitamos as saudáveis fronteiras da apatia e
da frustração - ou, se quiserem, da segurança
e da estabilidade (valores muito bem cotados na bolsa
da secção "adultos").
Não, obrigada. Fiquem vocês com o mapa. Eu
prefiro explorar o território, perder-me e achar-me
as vezes que forem necessárias, cair, levantar-me,
coleccionar cicatrizes, mas chegar ao fim com a certeza
de que vivi.
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