Catarina Moura

O mundo das idades para


Nasci num mundo cheio de "idades para". Gostava de encontrar o arquitecto dessas fronteiras para que mas explicasse pois, honestamente, não as percebo. E, uma vez que não as percebo, recuso viver trancada entre elas. Porque, como alguém disse, o mapa não é o território, não aceito que cartografem a minha vida de acordo com as inusitadas medidas desse autor fantasma (a "sociedade"? o "sistema"? "deus"?...) que todos respeitam, alguns questionam mas pelos vistos ninguém conhece.
Neste mundo de "idades para", estou estatisticamente classificada numa secção - a dos "jovens" - que, desde logo, me inclui em subsecções como "idade para arriscar", "idade para errar" e "idade para amar". Há certamente outras, mas uma análise recente das minhas conversas com pais e amigos apura estas como as mais recorrentes. Isto significa que, seguindo a tabela bancária segundo a qual são jovens os clientes até aos 30 anos, mais bonificação menos bonificação, a partir daí já não posso amar (porque, se tiver "juízo" - esta é uma das minhas preferidas! - já estarei casada e isso do amor já está na lista dos bens adquiridos), nem arriscar (uma vez que, depois dos 30, já é altura de assegurar casa e carro próprios e de começar a pensar na Poupança Reforma) e muito menos errar (porque, obviamente, não posso arriscar a família, a casa, o carro e a dita poupança!). Ufa, ainda bem que me dei conta disto tudo a seis anos de passar para a secção "adultos"!!
Neste mundo de "idades para", toda a gente é polícia de toda a gente. Ninguém faz nem deixa fazer. Ninguém deixa fazer o que não fez. Toda a gente aponta prontamente o dedo da censura às transgressões alheias, não por convicção no erro do outro mas - e nisto acredito piamente! - porque não têm coragem de apontar o dedo a si próprios, porque é mais fácil criticar quem arrisca do que admitir que o que enfurece é nunca ter arriscado. O que irrita e angustia na coragem e ousadia dos outros é a nossa cobardia e o nosso medo.
O mundo das "idades para" é também, consequentemente, o mundo do "tarde demais". "Se não o fizeste na idade certa agora é tarde demais". "Tens que o fazer agora porque depois vai ser tarde demais". Porquê tarde demais? Recuso-me a acreditar em "tarde demais" para fazer seja o que for. Casar aos 70, vestir calças de ganga aos 60, mudar de emprego aos 50, largar tudo e começar de novo seja em que idade for só é "tarde demais" para quem tem medo de viver - e das consequências de viver. Porque viver é arriscar e arriscar implica, sempre, a hipótese de errar. Mas até mesmo isso de "errar" é um daqueles conceitos estranhos que este mundo de "idades para" utiliza para nos fazer sentir culpados e para ver se, de uma vez por todas, temos juízo e aceitamos as saudáveis fronteiras da apatia e da frustração - ou, se quiserem, da segurança e da estabilidade (valores muito bem cotados na bolsa da secção "adultos").
Não, obrigada. Fiquem vocês com o mapa. Eu prefiro explorar o território, perder-me e achar-me as vezes que forem necessárias, cair, levantar-me, coleccionar cicatrizes, mas chegar ao fim com a certeza de que vivi.