O
PAPALAGUI
Comentários
de Tuiavi recolhidos por Erich Scheurmann
Por Ana Maria Fonseca
"O Papalagui
é pobre porque vive obcecado pelas coisas, sem as
quais já não consegue viver. Quando do dorso
da tartaruga faz uma ferramenta alisa os cabelos (...) o
Papalagui ainda faz uma pele para a ferramenta e para esta
pele faz um pequeno baú e para o pequeno baú
faz outro grande; tudo ele coloca
em peles e baús. Tem baús para as tangas,
para as roupas de cima e de baixo, para os panos com que
se enxuga, com que limpa a boca, e outros panos mais; baús
para as peles que põe nas mãos e para as peles
que põe nos pés, para o metal redondo e para
o papel pesado, para as provisões de boca e para
o livro sagrado, para tudo mesmo. Ele faz muitas coisas,
quando apenas uma é suficiente (...) Destruindo onde
quer que vá, as coisas do Grande Espírito
(a natureza), o Papalagui com sua própria força
pretende dar vida, novamente, àquilo que matou".
Este é um estrato do relato
que Tuiavi, índio de uma tribo da Polinésia
faz do Papalagui, o homem branco, durante uma visita pelo
velho continente europeu, no século XVII. Impressionado
com os hábitos e costumes do homem branco, Tuiavi
escreve para os membros da sua tribo pequenos trechos que
descrevem o modo de vida da sociedade civilizada.
Naquela altura como hoje, este relato mostra-nos de forma
incontornável a pureza do olhar de um homem simples,
amante da natureza, sobre uma sociedade já na altura
consumista e agarrada a conceitos que não se coadunam
com a forma de vida selvagem.
Um livro que funciona muito como espelho das nossas próprias
obsessões, como sociedade moderna.
Os comentários de Tuiavi foram recolhidos pelo alemão
Erich Scheurmann que os compilou nesta obra indispensável.
"É difícil
para Papalagui (Homem Branco) não pensar. É
difícil viver com todas as partes do corpo ao mesmo
tempo. É comum ele viver só com a cabeça
enquanto todos sentidos dormem profundamente.
...Por exemplo, quando o belo sol brilha, o Papalagui (Homem
Branco) pensa imediatamente: "Como o sol brilha agora,
que beleza!" E continua pensando: "Como o sol
está brilhando, como está bonito!" Isto
está errado, inteiramente errado, absurdo, porque
o melhor é não pensar em nada quando o sol
brilha. O Samoano inteligente estira os membros à
luz quente do sol e não pensa em nada. Ele recebe
o sol tanto com a cabeça quanto com as mãos,
os pés, as coxas, a barriga, todas as partes do corpo.
Ele deixa que a pele e os membros pensem por si; e certamente
eles também pensam
de uma forma diferente da cabeça.
...Pensa em coisas alegres, é certo, mas sem sorrir;
pensa certamente em coisas tristes, mas sem chorar.
...O Papalagui (Homem Branco) quase sempre vive em combate
perpétuo entre sentidos e seu espírito; ele
é um homem dividido em dois pedaços."
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