Por Ana Maria Fonseca



Segundo Santos Silva, o ministro prometeu "discriminar positivamente o Interior"

Num ponto, todos os parceiros educativos estão de acordo no que respeita à Lei aprovada na passada quinta feira, do Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior: nenhum deles foi consultado e a proposta devia ter sido objecto de um debate entre os vários intervenientes. Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), Federação Nacional dos Professores (FENPROF) e Associações de Estudantes apontam poucos aspectos positivos à Lei, classificada na generalidade como "ambígua" e "pouco clara". O único aspecto positivo apontado prende-se com a necessidade de restruturar o Ensino Superior. Neste ponto, os parceiros voltam a estar de acordo, mas não perante uma restruturação como a que se encontra alinhavada no documento de oito páginas, aprovado pela bancada parlamentar do PSD e do PP, onde se definem os pontos do que o Governo quer para o Ensino Superior.
Avaliação das instituições, separação vincada entre universidades e politécnicos, formas de financiamento baseadas na avaliação das instituições, atribuição de apoios de acção social ao ensino privado, encerramento de licenciaturas com um número inferior ao determinado, nascimento do Conselho Nacional de Ensino Superior dirigido pelo próprio ministro e com delegados nomeados por si, são algumas das propostas que menos agradam a quem vive, sob diferentes perspectivas, o Ensino Superior.
Também a UBI poderá ser particularmente afectada pela nova Lei, apesar de o ministro já ter prometido "discriminar positivamente o Interior".
Manuel Santos Silva, reitor da UBI, após uma reunião com Pedro Lynce que decorreu na passada semana, refere a intenção do ministro de abrir uma excepção no que concerne à abertura de vagas no Interior. O ministro defende que, se algo foi feito nos últimos 30 anos pelo Interior foi trazer para cá o Ensino Superior, único projecto que conduziu ao desenvolvimento e limitou a desertificação.


Nova Lei "só traz preocupações para o Ensino Superior", diz Vasco Cardoso



Governo quer transformar educação "numa mercadoria"

Santos Silva acredita que a UBI não será "afectada significativamente", apesar de ser necessária uma clarificação da Lei que considera dúbia. "É preciso repensar o Ensino Superior, mas o texto tem de ser aperfeiçoado", refere, e acrescenta que há afirmações na Lei que "não coincidem com o que diz o ministro, nomeadamente no que respeita ao financiamento, à autonomia, à acreditação e à função do Concelho Nacional de Educação. Penso que estas questões serão clarificadas", conclui.
Para Vasco Cardoso, representante dos estudantes no Conselho Nacional de Educação, que também não foi consultado sobre esta Lei, ela "só traz preocupações ao Ensino Superior". O governo quer transformar "um direito que é constitucionalmente garantido numa mercadoria".
No que respeita à avaliação, Vasco Cardoso entende que esta deixa de ser um instrumento para "avaliar desempenhos, mas um fim em si mesma". Se mediante a avaliação das instituições passa a depender a abertura ou encerramento de licenciaturas, "vai-se tornar um ranking do Ensino Superior". Uma "lógica competitiva e comercial do ensino", em que as instituições mais periféricas terão mais dificuldades, considera.
"A lei é ambígua, contraditória, e pode prejudicar a UBI", refere Ana Cruz, presidente da AAUBI. Também a Associação Académica da UBI, à semelhança de todas as outras, não foi consultada neste processo. Ana Cruz diz que esta é uma Lei "intransigente" que aglomera um conjunto de ideias gerais "que acabam por ser contraditórias", salienta, e continua, "não há um fio condutor que nos dê a entender como querem actuar". A presidente da AAUBI defende que este documento é "Lei de Bases para poderem mexer em tudo sem manifestação da nossa parte. Permite-lhes tocar em todos os pontos do que poderá ser o nosso futuro", salienta. "Não querem o diálogo, mas passar à acção sem ouvir mais parceiros", conclui a dirigente associativa.

"Arco Regional"?

"A Lei contraria tudo o que o ministro tem dito", afirma Manuel Magrinho, dirigente sindical e docente da UBI

Quando Pedro Lynce visitou a UBI, no aniversário da instituição, falou de um "arco regional" que previa a colaboração entre instituições politécnicas e universitárias do interior. Manuel Magrinho, dirigente sindical e responsável pelo Ensino Superior no distrito de Castelo Branco, relembrou essa proposta, que agora aparece contradita na Lei. Docente do Departamento de Química da UBI, o dirigente sindical sublinha a separação entre o ensino universitário e o politécnico. "Os universitários sabem o quê e o porquê, mas não o como. Os do politécnico sabem o como, mas desconhecem o quê e o porquê", explica, e continua, "Em vez de uma uniformização, vamos afastar-nos cada vez mais. A Lei contraria tudo o que o ministro tem dito".
No que respeita à avaliação das instituições, Manuel Magrinho defende que o Governo devia apoiar e não penalizar os estabelecimentos de ensino que registam piores resultados.
Para o docente, o pior da Lei é que prevê que tudo fique igual no que respeita à colaboração entre instituições. "Até aqui temos estado de costas voltadas e vamos continuar a estar", conclui, referindo-se à relação entre politécnico e universidade. "Gostaria de ver o "arco regional" concretizado".

[Consulte aqui a Lei do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior]

 



O que dizem o CRUP e a FENPROF



CRUP
Primeira apreciação global do CRUP sobre a proposta de Lei
"Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior"


O CRUP estranha que não tenha havido "audição dos parceiros prévia à aprovação em Conselho de Ministros e ao envio à Assembleia da República".

"A vinculação da figura da "autonomia" ao vector da "responsabilidade"(...) Pena é que um terceiro pilar não seja objecto de compromissos precisamente definidos, a saber o que se refere à responsabilidade pública- orçamentalmente traduzida em decisões do Governo e da Assembleia da República...".

"Do eventual "caos existente no sistema, ou em alguns dos seus segmentos, têm diferentes governos, através das autorizações que concederam, uma relevante quota-parte de responsabilidade".
"Não se deve identificar o processo de avaliação com o processo de acreditação. A avaliação pode e deve conduzir à atribuição de classificação de mérito (...). A acreditação pode e deve ser articulada com a avaliação mas envolve outras valências".

"No que toca ao financiamento público, (...) a manutenção do princípio de financiamento através de uma fórmula deve-se manter, mas tem de se privilegiar os critérios que reflictam qualidade".

"Não são suficientemente clarificadas e fecundas, as referências que visam caracterizar as instituições universitária e politécnica".

"O Conselho Nacional de Ensino Superior (...) não poderá nem "almofadar" a competência ministerial política de decisão, nem representar formalmente os colectivos que para ele indicam nomes".

"CRUP manifesta disponibilidade para a realização de reuniões de trabalho com vista ao encontro, por aproximações sucessivas, de um texto legislativo em que Ministério e parceiros (se possível, na totalidade) se possam de boa mente reconhecer".

FENPROF

Posição da FENPROF sobre a proposta de Lei do Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior.

"A proposta de Lei em apreço devia ter sido precedida de um amplo debate público com todos os parceiros".

"proposta de Lei "musculada", por visar atribuir ao ministro da Ciência e do Ensino Superior poderes arbitrários e discricionários".

"A proposta de Lei persiste em procurar distinguir as instituições por aquilo que estão autorizadas a fazer e não por aquilo que realmente são, ou venham a ser capazes de fazer. (...) é inaceitável que pretenda afastar o Ensino Politécnico da cultura e das humanidades, reservando-as apenas para as Universidades e atribuir-lhe o objectivo de leccionar cursos de "banda estreita", nos domínios das ciências e das tecnologias. Estas concepções são retrógradas e contrárias à realidade concreta e à necessidade de contribuir para o desenvolvimento da sociedade".

"no concelho Nacional do Ensino Superior figuram nove representantes de instituições, seis representantes do Ministério (entre os quais três personalidades indicadas por este), apenas um representante dos estudantes* e zero representantes da classe docente, pois não há lugar a qualquer representação sindical...".

* Após uma reunião que teve lugar esta ontem, segunda feira, 8, entre o ministro da Ciência e do Ensino Superior e várias Associações Académicas, entre as quais a AAUBI, Pedro Lynce acedeu aumentar para quatro os estudantes representantes neste órgão.