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Dualismo europeu
Os factos ocorridos na única
fronteira terrestre portuguesa obrigam-nos a repensar
um conjunto de elementos que continuam a marcar a chamada
União Europeia. Primeiro de tudo revelam-nos o
continuado peso do carácter económico que
marca a constituição deste suposto bloco
de direitos sociais e políticos, em nada estranho
ao próprio percurso dessa união - Comunidade
do Carvão e do Aço, Comunidade Económica
Europeia e, há bem pouco tempo, União Europeia.
Os factos provam-nos a persistente incapacidade por parte
de alguns países europeus em aceitar a Europa como
uma construção não só económica,
mas igualmente social e política, produtora de
direitos e deveres comuns a todos os estados-membros.
A produção da chamada extensividade ilimitada
da democracia, resultado da passagem de uma noção
clássica de soberania (o orgulhosamente sós)
para uma noção dialogal de soberania (o
orgulhosamente unidos) é totalmente negada com
acções deste tipo, opondo-se ao próprio
carácter cívico das democracias trans-nacionais.
Não bastará certamente às democracias
trans-nacionais a selecção de representantes
em órgãos fortemente condicionadores da
acção política nacional, relegando
para segundo plano a intervenção cívica
dos seus cidadãos. É o próprio carácter
condicionador destes órgãos que obriga a
uma acrescida responsabilização dos cidadãos
e à sua participação activa na construção
desses mesmos instrumentos de regulação.
Não basta, portanto, a recorrência sistemática
à imagem da cidadania europeia se, aquando do seu
exercício, se lhe colocam um conjunto de entraves
injustificáveis.
Se as decisões da União Europeia têm
uma abrangência europeia, não deixa de ser
coerente que a participação política
e a reivindicação de direitos sociais tenha
uma igual abrangência. Ainda que esta ideia possa
parecer consensual, a verdade é que a UE se afirma
crescentemente mais como um instrumento regulador e normativizador,
que como uma construção democrática
e ampliadora de recursos e de direitos sociais e políticos,
ao permitir que, isoladamente e esquecendo a própria
natureza dessa União, os Estados-Nação
assumam posicionamentos à margem da natureza democrática
e politicamente aberta da construção europeia.
O que está em causa não é apenas
a livre circulação de bens e pessoas, mas
também a livre circulação de instrumentos
de participação cívica e democrática.
Ao limitar-se a aceitar os "lamentos" espanhóis,
o Governo Português está a contribuir amplamente,
quer para a produção de uma imagem de subserviência
relativamente à Europa, quer para a reprodução
de uma imagem isolacionista da construção
política europeia. Do mesmo modo que sofremos hoje
as consequências da imposição de regras
económicas, de critérios de convergência
ou de limites à produção, também
a Espanha deverá, em sede própria, ser responsabilizada
pelo incumprimento de critérios de convergência
política. A Europa não pode ser regrativa
apenas do ponto de vista económico. Deve sê-lo
igualmente sempre que direitos fundamentais dos cidadãos
sejam postos em causa, daí que a posição
do Governo Português devesse ser mais sólida
e não se limitar a uma troca de mimos entre estados-membros.
Não se pode ser firme e austero apenas internamente
e assumir uma postura bacoca e subalterna relativamente
ao exterior. A globalização política
prova-nos que quem mais ganha é quem mais se afirma
e quem mais coragem demonstra na defesa de interesses
nacionais legítimos. A pergunta que se impõe
é inevitável - se fosse ao contrário,
durante quanto tempo andaria Portugal na ponta do sapato
europeu? Quais seriam, desta vez, as sanções?
Não se trata, como afirma desesperadamente o Primeiro
Ministro, de declarar guerra a Espanha, nem de erguer
velhos fantasmas de Aljubarrota. Trata-se, apenas e só,
de responsabilizar do mesmo modo que somos responsabilizados.
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