Urbi et Orbi- Como surgiu o interesse pela moda?
Miguel Gigante- O interesse vem da família. O meu
avô trabalhava nesta actividade e o meu pai montou
uma fábrica de confecção. Foi através
desta influência mais directa dos meus pais que
eu descobri o que realmente queria fazer. Os desfiles
e apresentações também fizeram crescer
o bichinho da moda. Identificava-me muito com aquilo que
por lá via. O desfile em si, a apresentação
de uma colecção era algo que ambicionava
fazer.
Nas revistas de moda procurava sempre descobrir o que
estava por trás daquela fotografia, daquela roupa
e a partir disso tentava desenvolver o meu trabalho.
U@O- O que o influencia na criação das
suas peças?
M.G.- Penso que todos nós somos influenciados pelo
que nos rodeia. Um director de uma agência de publicidade
dizia que não inventava nada, copiava. A moda não
foge a essa regra. Em termos de corte e formas, já
está tudo inventado. A inovação passa
pelas matérias primas, pelas diferentes estruturas
dos tecidos. Há duas coisas que sempre me influenciaram:
a música - não consigo trabalhar sem música
- e a arquitectura, talvez por em pequeno querer ser arquitecto.
Quando estou a conceber uma peça sigo mais ou menos
o raciocínio de um arquitecto. Há edifícios
que me influenciam bastante.
Recorro também às revistas de moda, mas
mais para estar informado sobre as tendências. A
internet também ajuda muito nesse aspecto.
U@O- Quando faz a roupa para alguém faz só
o que lhe pedem ou dá a sua opinião?
M.G.- Normalmente penso no que fica melhor à pessoa,
mas há quem já venha com ideias feitas.
Quando não concordo, tento orientar a pessoa e
por vezes acabo por fazer uma coisa totalmente diferente
da ideia inicial.
Tento sempre meter o meu cunho pessoal nas coisas que
faço. Tenho clientes que deixam tudo nas minhas
mãos, que confiam na minha opinião pessoal
e profissional. Para mim, esses clientes são os
mais gratificantes.
U@O- Estar no interior é uma dificuldade para
o reconhecimento do seu trabalho?
M.G.- Ainda é, mas há meia dúzia
de anos era pior. Os contactos que tenho estabelecido
com pessoas fora da Covilhã, possibilitam-me viver
aqui, ter aqui o meu ateliê e ao mesmo tempo mostrar
e fazer coisas fora da Covilhã.
Os produtores de moda com quem trabalho sabem que estou
aqui. Basta um telefonema e posso trabalhar para outro
lado qualquer. É provável que fora da Covilhã
tivesse mais hipóteses, mas por outro lado a concorrência
seria maior.
U@O- Onde podemos encontrar a marca Miguel Gigante?
M.G.- No meu ateliê. Tenho sempre um ou dois pontos
de venda fora da Covilhã, lojas multimarca que
vendem a minha roupa. O ideal seria ter uma loja cá,
mas fiz essa experiência durante dois anos e não
correu bem. As pessoas não têm o hábito
de comprar na Covilhã.
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"A minha marca
é bastante acessível"
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U@O- Fica caro vestir Miguel Gigante?
M.G.- (risos) Comparada com outras marcas de alguns criadores,
a minha é bastante acessível. As matérias
primas influenciam muito os preços das peças.
Eu trabalho sempre com tecidos da região e tenho
muito orgulho nisso. Mantenho contacto directo com as
fábricas e consigo preços relativamente
bons. Posso trabalhar com tecidos de 15 euros o metro
mas também trabalho com tecidos de 300 e 500 euros
o metro, o que faz variar muito o custo da peça.
Por exemplo, umas calças básicas podem custar
entre 40 e 60 euros e um casaco entre 125 e 150 euros.
São preços idênticos a algumas lojas
médias, mas com a vantagem de ser um produto exclusivo
e feito à medida.
U@O- Costuma vestir a sua marca?
M.G.- Nem sempre. Como se costuma dizer, em casa de ferreiro,
espeto de pau, mas 90por cento do guarda-roupa da minha
mulher são peças minhas. Normalmente - ela
não vai gostar de ler isto - quando quero fazer
alguma experiência faço com a roupa para
ela. A Cristina nunca gosta da minha peça no início,
mas no fim do trabalho muda completamente de opinião.
Gosto de pegar num tecido clássico e fazer algo
radical, como foi o caso das peças apresentadas
no Covilhã Moda.
U@O- No Covilhã Moda, um dos últimos
desfiles que fez, trabalhou com os alunos de Design Têxtil
da UBI. Como foi essa experiência?
M.G.- Foi uma experiência óptima. No início
estava um pouco receoso. Os alunos eram mais novos que
eu e não sabia muito bem como iria ser a nossa
relação. Eu tinha assumido um compromisso
com o Departamento de Ciências e Tecnologia Têxtil
e queria cumpri-lo. Correu tudo muito bem, os alunos ajudaram
imenso. Havia uma disponibilidade mútua. Eu estava
disponível para fazer o que precisassem e eles
estavam com vontade de trabalhar. Um dos meus objectivos
era que os alunos se sentissem como parte integrante de
todo aquele trabalho. Em qualquer desfile existem os aderecistas
que ajudam os manequins a vestirem e a despirem as roupas.
Falei com a organização para que os alunos
fossem, eles próprios, os aderecistas, de forma
a participarem ao máximo em todo o evento.
Foram horas muito gratificantes para mim e penso que para
eles também.
U@O- Neste momento está a desenvolver algum
projecto?
M.G.- Estou a trabalhar com Helena Lormans num projecto
com tecidos feitos em teares manuais. A Helena produz
esses tecidos e eu crio peças com eles. Essas peças
vão ser apresentadas no dia 5 de Julho em Lisboa,
numa mostra do que há de melhor no têxtil
em Portugal, desde tecidos industriais aos mais experimentais,
como é o nosso caso.
Vão também ser apresentadas em Madrid, inseridas
no projecto TexVision que tem como finalidade promover
os têxteis portugueses.
U@O- Há algum edifício que considere
inspirador na Covilhã?
M.G.- Na Covilhã há um edifício que
admiro muito, o do CIVEC. É um sítio que
transmite uma certa tranquilidade. Também gosto
do quiosque no Pelourinho. Ao contrário da maioria
das pessoas, gosto da diferença entre o quiosque
e a igreja. No fundo complementam-se.
U@O- Que peça de roupa criava para o quiosque?
M.G.- O quiosque tem muito ferro... (risos) Fazia-lhe
qualquer coisa masculina, com linhas direitas. Mas já
a igreja me reporta para algo mais feminino.
U@O- A Covilhã é uma cidade na moda?
M.G.- Sim, adoro cá viver. Já estive em
muitas cidades e não trocava a Covilhã por
nenhuma
outra. Aqui é tudo mais calmo, temos mais tempo
para nós.
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