João Correia
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Entre a coruja e o pato bravo
Hegel, referindo-se ao
facto de, por vezes, os sábios se debruçarem
apenas sobre acontecimentos passados, dizia que a Coruja
de Minerva abria as suas asas ao entardecer. Ao pobre
animal só lhe restava fitar as cinzas da actualidade.
Hegel é um dos grandes filósofos da modernidade
justamente porque viveu um tempo de mudança e quis
pensar essa mudança.
O animal oposto da coruja surgiu com a brutal aceleração
do tempo que a modernidade impôs. A efemeridade
das narrativas modernas foi pressentida por Baudelaire.
Porém, nos tempos da Internet, algumas aves abrem
as asas ao meio dia e tornam-se profetas ao meio dia e
quinze. Desde os anos sessenta do século passado
que assistimos à proliferação de
utopias e de profetas: vagas que submergem vagas em refluxo;
proclamações que anunciam o futuro; utopias
que sossobram ao segundo dia de vigência. À
coruja, sucede, sob o ponto de vista intelectual, o visionário.
Quando o visionário não passa, afinal, de
um dandy que quer buscar caução intelectual
através da morte de qualquer coisa e do anúncio
de outra nova que lhe sucede, temos o pato bravo. Com
efeito, uma nova discussão substitui a outra que
U.Eco classificou como sendo entre apocalípticos
e integrados: a polémica entre corujas e patos
bravos. Uns levantam-se tarde. Outros nem dormem, mas
também depressa morrem cansados. O pato bravo anda
vestido à moda e tem conceitos up to date, mas
rapidamente os esquece em benefício da primeira
novidade que se lhe afigura mais atraente. È assim
na cor das casas, nos padrões das camisas, na gama
do automóvel, nas teorias sobre a modernidade e
o seu devir.
Apesar de não me dedicar à ornitologia,
tenho observado grandes nuvens de passáros no nosso
horizonte intelectual recente. O tema do Cyberespaço
é uma excelente demonstração deste
facto. As jornadas sobre Jornalismo On Line, levadas a
bom termo pelo Labcom, trouxeram algumas ressonâncias
desta oscilação pendular entre o voo lento
das majestosas corujas e o voo desengonçado e selvagem
dos atrevidos patos. A Internet e os modos de jornalismo
que nela vão formar-se exigem redobradas cautelas
na sua apreciação.
Ao fazer um recenseamento das mais recentes teorias sobre
o tema é fácil encontar dois extremos. Uns
recorrem a conceitos clássicos para pensarem a
actualidade. Outros mergulham no instante, proclamando
a decadência e morte de categorias com um século
de existência. O que é mais difícil
para quem se dedica à investigação
de temas como o futuro do Cyberespaço e do Jornalismo
on line é que por vezes são uns que têm
razão, outras vezes são os outros, não
sendo raros os momentos em que se torna necessário
combinar o ritmo pausado da reflexão com a pressa
lúcida do raciocínio intuitivo.
As jornadas não afinaram pelo diapasão da
coruja atrasada nem pelo ritmo desenfreado dos patos bravos.
Não se alhearam do futuro nem se precipitam no
exorcismo da memória. Por isso as Jornadas sobre
Jornalismo On-Line valeram a pena: fizeram o seu percurso
no fio da navalha, com os seus participantes tentando
fazer percursos seguros entre eventos turbulentos. É
difícil produzir conhecimento acerca do tempo que
passa. Quando o tempo é de turbulência, resta-nos
a aventurosa prudência e a serena intranquilidade.
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