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Extremos
Habituámo-nos ao uso frequente
da expressão "extremo", não só
para situar posicionamentos ideológicos entre esquerda
e direita, mas igualmente para legitimar ou deslegitimar
esses mesmos posicionamentos. Significa, portanto, que
a noção de "extrema-direita" e
"extrema esquerda" representam a exacerbação
de um posicionamento extremadamente à esquerda
ou extremadamente à direita. Ora, seguindo este
raciocínio emergente das lógicas eleitorais,
poderemos dizer que o Le Pen é mais ou menos como
que um Chirac exagerado, ou que Francisco Louçã
é uma espécie de Mário Soares levado
às últimas consequências. Talvez por
isso se entenda crescentemente as noções
de esquerda e de direita como meros simplificadores do
pensamento político.
Falar em extremos pressupõe a existência
de um centro, daí o centro-esquerda e o centro-direita,
que funcionam como a pedra que cai ao rio e vai formando
pequenas ondas à sua volta. Seguindo este raciocínio
reducionista, poderíamos então dizer que
o discurso nacionalista da extrema-direita é uma
exacerbação dos posicionamentos político-ideológicos
de direita, o que nos leva a concluir que os princípios
nacionalistas estão moderadamente presentes no
centro-direita. Do mesmo modo, se a extrema esquerda radicaliza
o discurso contra o mercado, significa que, lá
no fundo e moderadamente, o centro-esquerda tem um ódiozinho
de estimação pelo mercado.
O centro tem funcionado como um elemento polarizador e
legitimador, definindo o "correcto" (por si
representado) e o "radicalmente incorrecto"
(representado pelos extremos). Paradoxalmente, acabamos
por assistir a um ressurgimento dos "extremos"
e a uma crise profunda instalada no interior dos partidos
de centro, contrariando, quer a mensagem "oficial",
quer os próprios valores democráticos (como
aconteceria com Le Pen).
Num ápice, despertámos para uma realidade
que de há muito já percorria os manuais
da política - uma espécie de dependência
entre os partidos de centro e a ambiguidade. Um dos principais
problemas reside exactamente no discurso moderado que
caracteriza os chamados partidos de centro, que se exprime
quer do ponto de vista da prática política,
quer da produção de identidades ideológicas.
Na linguagem popular diz-se que "nem são carne
nem são peixe" (isto é, nem direita
nem esquerda) ou que "quando para lá vão
fazem todos o mesmo" (reforçando o hiato entre
o discurso e prática política). A indefinição
e ambiguidade que tem caracterizado os partidos de centro,
tem contribuído para a deslocação
de votos, procurando posicionamentos claros, mesmo que
radicais. Contrariamente às previsões dos
apologistas do "fim das ideologias", verificamos
que as sociedades estão cada vez mais exigentes
do ponto de vista ideológico e que procuram referências
coerentes com a sua própria visão do mundo
e com os seus problemas específicos. Arrastados
pela burocracia e pela necessidade de subsistência
do status-quo, os partidos tradicionais (emergentes dos
processos de implementação democrática)
têm vindo a produzir um discurso vago, técnico,
sem referências claras nem a clivagens, nem a enraizamentos
ideológicos. Vive-se, no centro e não só,
um misto de sobrevivência e suicídio que
em nada favorece o bom funcionamento das democracias.
Fomos socializados ideologicamente sob dois tectos diferentes
- a esquerda e a direita. Uns, abrigam-se num ou noutro
conforme o vento mande a chuva, outros mantêm-se
estáticos segurando as vigas que ainda subsistem.
No meio, à chuva, estão os abstencionistas
e os desinteressados. Destes, os mais revoltados com o
S. Pedro acabam por procurar outros tectos, Deus sabe
quais. Os filhos da minha geração aprenderam
a ser de esquerda por oposição ao fascismo
ou de direita por oposição ao comunismo.
Raramente interiorizámos o sentimento pluralista
das democracias, daí que tudo se limite a centros,
defesas e pontas-de-lança, definidas num jogo de
futebol, sem nunca nos ensinarem a jogar. A direita é
moderadamente fascista ou exacerbadamente fascista, a
esquerda é moderadamente comunista ou exacerbadamente
comunista. É este o raciocínio, cuja adaptação
à política moderna e à aceleração
da mudança e multidimensionalidade ideológica
é, no mínimo, questionável. Talvez
por isso nos admiremos com o voto operário em Le
Pen ou nos questionemos sobre a excessiva ortodoxia que
caracteriza a esquerda proletária. É necessário
entender os partidos como porta-estandartes de ideias,
de quadros de referência e não de imagens
de marca (e de marketing). Entendamo-los como um misto
de propostas e de sintomas do pluralismo democrático.
Cabe ao cidadão, também como actor político,
procurar (e moldar) as propostas e estar atento aos sintomas
da democracia, possivelmente sob um quadro referencial
que não se resuma a uma linha plana entre esquerda
e direita.
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