"O que eu gosto no Direito é de facto a história do Direito"








Uma botija eléctrica solidária




U@O- Como era ser uma
estudante universitária
nos anos 60?



O.S.-
Entrei para a
faculdade em 58 e saí em
63. Apanhei a greve
académica de 62, e no ano
anterior tinha começado a
Guerra colonial, também
houve o caso de Goa.
Houve a história do
Henrique Galvão, o desvio
do navio.

A greve académica foi por
causa da proibição do dia
do estudante. A polícia
invadiu a faculdade e
molhou os estudantes com
água azul. A água azul era
usada para marcar as
pessoas. Já se sabia que
aquilo custava muito a tirar
e quem aparecesse no
trabalho manchado de azul,
os patrões já sabiam que
tinham estado em
manifestações.

Houve a greve de fome na
cantina universitária, que
eu não fiz porque tinha de
recolher à hora de jantar.
O instituto tinha regras
para tudo. Até tínhamos de
andar fardadas. Até para a
faculdade tínhamos de ir
assim vestidas.

Houve um ano que
acabaram com essa
obrigação. Mas foi o ano em
que se usou mini-saia, e
aquelas senhoras muito
antiquadas, achavam que
era um escândalo. No ano a
seguir voltou a obrigação.

Mas o que é que nós
fazíamos, umas vezes
tínhamos de nos pôr "à
coca" para ver se estava
gente a ver-nos sair e
depois à entrada
arriscávamos. Vestíamos a
roupa que queríamos por
baixo e a farda por cima.
Outras vezes levávamos a
roupa dentro de um saco,
chegávamos a um café e
mudávamos. Era assim. Lá
dentro tínhamos de usar ou
soquetes, ou meias, não
podíamos andar com as
pernas nuas, era um
escândalo.

Quando estava calor, tinha
de haver uma ordem de
serviço especial para
podermos arregaçar as
mangas só até ao cotovelo.




A Covilhã "sempre esteve ligada na minha memória com as lutas dos trabalhadores"


U@O- Acha que a sua
estadia nesse instituto a
prejudicou no sentido de
ser uma estudante mais
activa?



O.S.-
Não, eu beneficiei de
uma coisa em relação às
outras. O meu pai quando
me foi lá deixar assinou um
termo de responsabilidade.
Por isso podia sair sozinha,
quando quisesse, excepto à
noite, porque elas não
abriam mão disso.

Sozinhas não iam a lado
nenhum, nem sequer ao
cinema e algumas que eram
de longe, nem aos fins de
semana podiam sair. Mas
sabe o que é que algumas
faziam? Saltavam o muro, e
o muro era alto, era um
escândalo nas redondezas.

Uma vez castigaram-me,
não me deixaram ir ao
cinema. Foi por causa de
discutir com uma fulana de
lá, porque entrou na sala
de aula e estava uma moça
a chorar, tinha tido uma
desinteligência com o
namorado, chorava, e a
funcionária entrou lá e
começou a ralhar com ela
por causa de ter a cama
mal feita. Aquilo meteu-me
nervos e disse-lhe, "então
não está a ver que está a
chorar e ainda vem afligir a
rapariga, por causa da
cama estar mal feita?"
E castigaram-me.
Preparava-me para ir ao
cinema e não me deixaram
ir só por dizer isto.


"Não pude ser funcionária pública porque [segundo a PIDE] professava ideias subversivas"

Outra vez fizemos uma
greve, porque davam uma
comida que nós não
gostávamos nada, que era
um feijão a nadar numa
água, com repolho. Naquele
dia ninguém almoçou,
houve para ali berros que
eu sei lá, tudo ali com o
prato na frente. E depois
fomos espreitar o que é as
madames comiam, e nesse
dia comeram batatas fritas
com bifes. Então fomos
castigadas por causa dessa
greve, e o castigo foi, no
Inverno, não nos darem
água quente para os sacos,
durante 15 dias. Mas isso
resolveu-se bem. Eu no fim
de semana fui a casa e
levei a botija eléctrica que
deu para toda a gente.

Tínhamos as janelas que
davam para a rua fechadas
a cadeado, e eram foscas.
Uma vez,nesse tal ano das
mini saias, também deram
autorização para termos a
janela da sala de estudo
das mais velhas aberta.
Isso já era uma grande
conquista, mas tivemos
muito azar, porque uma vez
estava lá uma rapariga a
fumar, deitou a beata lá
para fora e foi cair em cima
do cão da directora.

Apesar do sistema de semi
internato ser muito mau,
criou uma capacidade de
solidariedade e de
resistência, que também foi
importante.






"Aguento-me mas preciso de muito espaço, se for pouco, não consigo"

  Entrevista com Odete Santos
"Sou uma corredora de fundo"


Nasceu no Sabugal mas foram Lisboa e Setúbal que marcaram a sua trajectória pessoal e política. Da infância recorda a luta dos trabalhadores da Covilhã narrada pelo pai. Cedo aprendeu a palavra solidariedade, no semi-internato onde viveu durante os tempos de estudante. Nas lutas estudantis de 62 descobriu o valor da liberdade. Argumentar, investigar e discutir ideias são as paixões que a conduziram pelos caminhos da advocacia e, mais tarde, da política. A deputada do PCP é uma resistente. Se um dia está triste, no outro levanta-se e continua.

Por Ana Maria Fonseca e Mariana Morais

Urbi@Orbi- Como foi a sua infância no Sabugal?

Odete Santos-
Foi muito boa, porque havia muita liberdade. Ia para o rio Côa, lavar a roupa das bonecas e espreitar os ninhos para ver se já tinham nascido os passarinhos. Andava muito de bicicleta. Guardo muito boas recordações.
Quando fiz o exame de admissão ao liceu, com os nervos apanhei uma camada de anginas, na véspera das provas escritas e foi um sarilho. Tive que apanhar uma injecção daquelas tipo dose de cavalo para me passar a febre. Depois disso é que fui para Setúbal com os meus pais.

U@O- Como era o liceu antes do 25 de Abril?

O.S.-
Havia uma separação de sexos nas classes. Por acaso, no primeiro ano do liceu fui de uma turma mista. Para não criar uma classe só com as alunas que sobraram, puseram-nos com alguns rapazes. Mas só nas aulas é que estávamos juntos porque os corredores por onde os rapazes iam para o recreio eram diferentes dos das raparigas. Nem os recreios eram comuns. No meu liceu não havia vedação, mas estavam sempre a vigiar para ver se nos aproximávamos.
Era rigoroso de tal forma que uma vez, uma professora chegou à aula e pregou um grande sermão, porque tinha visto uma colega minha a namorar fora do liceu, e era com autorização dos pais. Só para nos intimidar a todas.

U@O-Cantavam o hino nacional?

O.S.- Só em cerimónias. Na escola primária não me lembro de se cantar o hino. Em princípio os professores só davam aulas a rapazes e as professoras a raparigas.
A minha professora obrigava-nos a rezar. As aulas começavam e terminavam com rezas.
Lembro-me é de terem ensinado, nas aulas da mocidade portuguesa, o hino da mocidade portuguesa feminina, que era qualquer coisa assim:
Mocidade, lusitana, herdeira de Portugal,
Esta herança nos foi dada para ser por nós guardada,
E para a guardar vivemos...
Era assim, o hino da mocidade portuguesa feminina.

U@O-Quando foi estudar para Lisboa, como foi o seu percurso?

O.S.-Por sorte, como não havia vagas no liceu feminino, fui para o masculino.
O ambiente era diferente e como já andávamos no sexto e sétimo anos, não havia regras tão apertadas e havia também alguns professores mais liberais.
Depois fiz a faculdade em Lisboa, mas como os meus pais não eram ricos, tive de ir para um semi internato. Era um Instituto com um nome horrível, Instituto Sidónio Pais.
Era só para filhos de professores primários. Eles descontavam todos os meses uma cota para aquele instituto, para os filhos poderem tirar o curso do magistério primário. Mas era só para isso, para perpetuar a profissão dos pais. Quando eu fui, abriram excepções para quem quisesse seguir um curso universitário. Era considerado como se lá estivéssemos num sistema de favor.

U@O-E porque é que escolheu Direito, em vez de outra área ?

O.S.-Gostava muito de História e ainda estive matriculada. Mas começaram-me a dizer que só servia para dar aulas, e por isso fui para Direito, porque também tinha a mania que gostava de direito. Mas isso era a mania, porque gostava de discutir muito.
O que eu gosto mais no Direito é investigar, saber porque é que as leis, em tal época, foram assim e não de outra maneira.
Continuei a comprar livros de História, para ler. De vez em quando vou procurar coisas sobre uma época específica, vou estudar, e adoro. O que eu gosto no Direito é de facto a história do Direito.

U@O-Relativamente à vida universitária como era? Foi uma estudante activa?

O.S.-Fui, sim, ia ver palestras que a associação académica fazia. Depois quando foi a tal luta académica, tive uma participação muito intensa em tudo e andávamos de faculdade em faculdade. Foi um rasgar de horizontes muito interessante.
Fora isso as aulas eram muito chatas, muito cinzentas, uma coisa pavorosa. Decorar sebentas era horrível, só tive dois ou três professores que davam uma aula com interesse.

Um discurso na Covilhã

U@O-Quando é que se começou a interessar pela política?


O.S.- Foi o meu pai que me despertou o interesse pela política. Ele era bastante progressista. Esteve em Alpiarça como professor e aí teve contacto com a luta dos trabalhadores rurais. Esse foi o ponto de viragem do meu pai para ter consciência de muitas coisas.
Leu-me páginas de alguns livros, inclusive da vida do Luís Carlos Prestes, lembro-me bem porque fartei-me de chorar, tinha para aí uns seis anos.
Tinha 8 anos quando o meu pai veio a um comício aqui na Covilhã. Ele nunca mais chegava e a minha mãe estava muito preocupada, com medo do que pudesse ter acontecido.
O meu pai falava muito de um discurso que foi feito aqui. Dizia que tinha sido muito interessante porque era um discurso irónico. Falava do fascismo, dizia que vivíamos no melhor dos mundos, que havia isto e aquilo, e depois, terminou assim, "pois é, isto é tão bom, tão bom e só falta ligar Sarilhos de Baixo com Sarilhos de Cima". Nunca mais me esqueci desta frase porque o meu pai volta e meia falava nisto.
Tem graça porque eu só cá vim uma vez, mas ouvia falar muito na Covilhã, porque esteve sempre ligada na minha memória com as lutas dos trabalhadores, com as greves. Era a Covilhã, a Marinha Grande, Alpiarça... e o Tortosendo, eram os baluartes.

U@O-Quando é que teve contacto com o Partido Comunista?

O.S.-Tive um primeiro contacto com o PC quando andava na faculdade. Depois houve um ano em que muitas pessoas foram presas, coincidiu com a altura em que acabei o curso e fui para Setúbal. Havia uma pessoa que ia ter comigo, até tinha decorado a senha. O nome que me tinham escolhido era Olímpio. E a senha já não me lembro. Mas a pessoa nunca mais foi ter comigo, e perdi a ligação.

U@O-Teve muitos colegas na faculdade que foram presos?

O.S.- Sim. Fazia parte de uma célula, mas houve muitas dificuldades e só reunimos uma vez, no Parque Eduardo VII. O Baeta Gomes era quem dirigia a célula. Foi preso numa situação um bocado trágica. Tinha havido uma infiltração na rede universitária, de um indivíduo chamado Nuno Alvares Pereira. Ele andava na Faculdade de Direito e conhecia as pessoas, não os pseudónimos, mas os nomes. A PIDE fingiu que o foi prender a casa e a seguir houve uma data de prisões. Ele denunciou muitas pessoas, até gente que não era do PC. O Baeta Gomes foi um dos que foi preso. Durante o interrogatório, a PIDE disse-lhe que já sabiam tudo porque o Nuno Alvares Pereira tinha falado. Deixaram o Baeta Gomes sozinho para pensar, mas esqueceram-se que ele tinha óculos. Como não queria falar nem sequer confirmar, partiu os óculos e engoliu os vidros. Levaram-no para o hospital e já não o voltaram a chatear.

U@O-Como é que foi o dia 25 de Abril de 74?

O.S.-Lembro-me que era um dia cinzento. Nessa altura era casada e o meu ex marido estava na Guiné. Quando liguei o rádio do carro, só apanhei a parte final do comunicado do MFA. Pensei que tivesse havido qualquer coisa na Guiné e que o PAIGC tivesse desalojado os portugueses de lá e ganho a guerra. Quando cheguei ao tribunal, encontrei um juiz que foi para o julgamento com um rádio e auscultadores para ouvir a notícias. Acabámos por fazer um acordo porque naquele dia toda a gente queria estar livre.
Também havia pessoas que ainda não acreditavam. Eu fui daquelas que ficou na dúvida se seria um golpe da direita. Em Setúbal, organizaram logo uma manifestação ao fim da tarde. As pessoas estavam muito felizes.

U@O-E para si, em particular, o que é que significou?

O.S.-Significou a liberdade. Porque eu tinha uma ficha na PIDE, de quando esse Nuno Alvares Pereira falou.
Eu soube isto porque quando concorri para notária na Ilha das Flores, em 65 e não me deixaram, mandaram-me uma notificação a dizer que eu não podia ser funcionária pública, porque "professava ideias subversivas". Quando fui à direcção geral do registo e notariado saber o que era aquilo, um senhor foi muito simpático e leu-me a informação da PIDE que dizia que eu pertencia à "ala esquerda" do Partido Comunista. A partir daí fiquei a saber que era vigiada. No café, os pides sentavam-se à volta, toda a gente sabia quem eles eram. Nunca tinha liberdade completa de movimentos. Onde estava, tinha de olhar sempre para o lado para ver o que se passava. Uma pessoa naquela altura estava sempre com medo que a fossem de noite buscar a casa.
Uma vez, em Palmela, fui convidada para ir a uma colectividade que fazia aos domingos um programa a imitar o ZIP ZIP, do Solnado. Convidaram-me para dar uma entrevista e dizer umas poesias. Mas já lá estava a PIDE dentro. Chamaram a direcção da colectividade, e disseram-lhes que, a partir daí tinham de apresentar primeiro à PIDE, não só as perguntas que iam fazer às pessoas, mas também as respostas que as pessoas iam dar!

U@O-Mas também houve momentos bons?

O.S.-Houve momentos muito bons. Por exemplo, participei em muitos fogos de campo, que os estudantes faziam. Sentávamo-nos à volta de uma fogueira e uns cantavam, outros tocavam. Fui a muitos dizer poesia com o Adriano Correia de Oliveira e o Zeca Afonso a cantar. Aí conheci o Carlos Paredes, que ia lá tocar, por isso não foi tudo só desgraças.

U@O-Em relação ao teatro, qual foi a peça que lhe deu mais gosto representar?

O.S.-O autor que mais gostei de representar foi o Gil Vicente. Gosto muito dele porque acho que nas peças há uma análise social com um sentido muito progressista, e ainda hoje são actuais. Considero um grande escândalo que tenha sido saneado do ciclo.
Acho que a leitura e interpretação dos textos de Gil Vicente contribuem para a formação de uma mentalidade progressista. Tenho muita admiração por ele, porque no tempo da inquisição, conseguiu passar mensagens com muitas críticas às classes dominantes e de defesa do povo, nomeadamente naquela personagem do lavrador, de um auto das barcas, onde ele diz, "senhor mal pecado, sempre é morto quem do arado há-de viver, nós somos vida das gentes e morte das nossas vidas". Acho que estes versos dizem muito. As pessoas que trabalham na agricultura são vida das gentes porque a agricultura é precisa, e morte das suas vidas, porque se ganhava muito pouco e trabalhavam de sol a sol. Por isso acho que o Gil Vicente foi o autor que mais gostei de representar, acho-o excepcional.

U@O-Como é que caracteriza o seu percurso político até este momento?

O.S.-O meu percurso político só mostra uma coisa que se verifica também noutras áreas que não têm a ver com a política, é que eu sou uma corredora de fundo e não serviria para uma corrida dos 100 metros.
Aguento-me mas preciso de muito espaço, se for pouco não consigo.
Também se pode interpretar como sendo uma resistente, e sou. Mas também foi o meu pai que me ensinou. "Estás triste?", dizia, "a gente um dia está caído e no outro dia levanta-se e continua". Muitas vezes ele me disse isto.

U@O-Disse uma vez que a participação na vida social e na vida política torna as mulheres mais capazes de argumentar, do que um curso superior.

O.S.- Isso não é um original meu. Li no Monde Diplomatique. Gostava ler o livro do Pierre Bourdieu, onde ele diz que as qualificações académicas podem não significar uma habilitação determinada para estar na política, porque essa capacidade de argumentar e contra argumentar que a política exige, só se adquire se de facto as mulheres tiverem uma vida pública. Se estiverem remetidas às paredes da sua casa, ou escritório, essa capacidade de argumentação e contra argumentação não existe. A ideia, que eu li no resumo do livro do Pierre Bourdieu era esta, com a qual concordo.
Quanto ao Ensino Superior, uma vez ouvi na televisão o Alexandre Quintaninha, dizer que como professor, o seu papel seria em vez de só transmitir conhecimentos, fazer algo mais importante, despertar nos alunos a capacidade de investigar, adquirir conhecimentos e discuti-los. Acho que as universidades que temos não são assim. É quase como no meu tempo. Decorávamos umas coisas para ir fazer o exame e acabava-se.
É uma pena porque só agora me habituei a investigar e a discutir comigo ou com outros aquilo que estudo. Isso é aliciante, uma maravilha. A universidade devia servir para isto, mas não serve.




"Todos os dias acordo com uma grande disposição para continuar a lutar, embora já não seja para o meu tempo, há-de ser para o de outros"
 



U@O-Como acha que vai ser este governo, pelas linhas programáticas que já foram apresentadas?

O.S.-Basta ler o programa, às vezes até arrepia. Nomeadamente na questão da educação. Não há uma única linha sobre educação sexual, e no que toca à maternidade o que se fala é na defesa da vida. É como tratar a maternidade como se fosse obrigatória para a mulher. É ideologicamente muito mau, um governo Neo-liberal, de extrema direita. Na Segurança Social, querem as reformas mais tarde. Tratam o ensino privado em situação de igualdade com o público. A desresponsabilização do Estado, mesmo em relação ao pré escolar, é um pouco aquela ideologia que eu fui encontrar num debate na Universidade de Évora, em que uma senhora que puseram ao meu lado no dia 8 de Março, dizia que a escola só deve servir para transmitir conhecimentos, mas não valores, porque os valores devem ser transmitidos pela família. É essa a ideologia que está no programa. O estado não tem de formar cidadãos, dá os conhecimentos, como ler, escrever e contar, como disse o Durão Barroso no debate na televisão, "o ensino básico serve para ler escrever, contar e amar a pátria". E o amar a pátria deles, sabemos o que é, porque se de facto fosse patriotismo, não advogavam uma União Europeia de estados federados. Lemos o programa e aquilo é uma ideologia salazarenta. Preocupa-me porque acho que os jovens são duramente atacados. Não é só relativamente à questão da Segurança Social, quando começarem a trabalhar vão ter a idade da reforma se calhar aos 70 anos.
Mas é também o desprezo completo pela educação, o alheamento pela cultura. Em relação ao associativismo cultural não vem lá nada, o que lá vem é a história da defesa da vida, é para dar subsídios aos "juntos pela vida", para fazer caridade com meia dúzia de mulheres grávidas. Olho para aquilo e vejo ali tantas coisas do tempo de Salazar...

U@O-Assusta-a a proliferação de governos de direita pela Europa?

O.S.- Claro que me assusta, imenso.
Mas acho que pode ser uma fase de transição para a esquerda, apesar de preferir que não tivéssemos de passar por isto. Assusto-me por uma razão, é que eles são muito poderosos, são donos da ciência e da tecnologia, que deviam ser do o povo, mas não são.
Por outro lado, vejo que há contestações sempre crescentes em várias partes do globo, em relação à globalização capitalista. E, se me assusto, ao mesmo tempo, não sendo optimista sem bases, tenho a convicção de que o ser humano há-de dar a volta a isto. Acredito nas teorias de Marx, na tese da Antítese e da Síntese, portanto, estou convicta de que a ruptura entre os que detém os meios de produção e as forças produtivas vai acontecer, não sei quando, mas vai. As forças produtivas sairão vencedoras. É por isso que todos os dias acordo com uma grande disposição para continuar a lutar, embora já não seja para o meu tempo, há-de ser para o de outros.