Já quando andava a estudar, gostava muito de poesia.
"Não havia televisão e nós fazíamos
as nossas próprias actividades lúdicas.
Os nossos tempos livres eram passados na escola e as professoras
ensaiavam-nos para uma espécie de saraus. Eu entrava
sempre porque gostava muito de poesia", relembra.
Como poucos no seu tempo, Maria Alice fez a escola toda.
Completou o liceu no colégio das freiras Doroteias,
"a única alternativa que tínhamos ficando
na Covilhã". Naquela altura, poucas pessoas
e "principalmente meninas faziam o liceu completo.
Eu fui sempre um bocado curiosa e atrevida e lá
fiz o liceu", conta. Só não prosseguiu
os estudos porque "como todas as meninas do meu tempo,
casei e tive muitos meninos".
Casou aos 21 anos, mas não esqueceu a poesia.
"Embora hoje em dia se possa escolher quando se quer
ter filhos, naquela altura, quando uma pessoa se casava,
uma das finalidades era logo a procriação".
Dos seus seis filhos "os primeiros quatro foram todos
seguidos", e por isso tinha pouco tempo para se dedicar
aos livros e à poesia.
"Mas tive sempre a poesia no coração,
sempre gostei muito de ler, escrever e interpretar. Porque
a poesia não é linear como é a prosa,
tem os recônditos da interpretação
que eu sempre gostei. Há quem goste de cozinhar,
eu não gosto. Mas gosto de poesia".
Um poema que fez para o primeiro filho " tem sido
bastante apreciado, embora nem toda a gente goste da minha
poesia", diz.
"Mas este é muito simples".
Meu Filho,
Nasceste
Choraste
Sorri
Cresceste
Choraste
Sofri
A propósito deste poema, um dia, numa das muitas
viagens que fez à Europa, um holandês disse
dele que era "lindíssimo, mas agarra-o muito
a si".
Maria Alice respondeu, "pois agarra, porque eu escrevo
a minha cultura latina, não escrevo a sua de europeu
nórdico". O poema ficou exposto numa galeria
de arte na Bélgica, escrito em português.
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"Gosto de transformar as minhas emoções
em poesia"
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A tónica dos seus livros é o amor, em todas
as suas vertentes. "O amor entre homem e mulher,
o amor da mãe para os filhos, da esposa para o
marido, da filha para os pais", explica. "Mas
é do amor que sente, não é do que
se faz. Hoje em dia dizem que faz, mas eu acho que é
uma designação muito pouco poética.
Porque realmente se não o sentirem, não
o podem fazer", ressalva .
Começou a escrever aos 10 anos, " coisas sem
interesse", mas desde os seus cinco anos era chamada
para declamar "nos ditos teatros que se faziam na
altura. Foi aí que nasceu o gosto e o interesse
pela poesia".
Quando começou a namorar, escrevia mais "poemas
para o meu namorado" e guardou-os sempre, "mas
muita coisa se perdeu, porque quando me casei houve muitos
que rasguei", conta e continua "Eu achava que
aquilo não tinha interesse nem era próprio
para levar para o casamento e, no meu tempo era assim:
casa, muda completamente", lembra, e continua "Casei
num tempo em que o marido era mais para respeitar do que
para amar. Se bem que eu sempre amei. Mas o marido era
uma pessoa a respeitar e as suas ideias eram sagradas.
Felizmente o meu marido sempre me incentivou", comenta.
Durante o tempo que cuidou dos filhos, a dedicação
à poesia era escassa. Mesmo assim, "A poesia
era o aliviar do meu stress. Gosto muito de ler e gosto
muito de transformar as minhas emoções em
poesia".
Um dia um dos seus filhos disse que era uma pena "estar
tudo metido numa gaveta e não ter divulgação".
E acabou por levar alguns poemas. "O primeiro livro
foi ele que o mandou editar em Lisboa, em 1993. Quis dar-lhe
o título de "Poemas de Trazer por Casa",
mas a minha família e sobretudo o meu marido não
me deixaram".
Ficou "Poemas de Amor e Pão". "Eu
gostei porque eu não sou uma poetisa consagrada,
sou uma poetisa de trazer por casa".
A Covilhã sob o olhar
da poetisa
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"Estou numa idade em que gosto de andar no
meio de pessoas conhecidas e que me conheçam"
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"No meu tempo a Covilhã era uma cidade de
gente dura mas sã. Somos do interior e um povo
são, muito trabalhador. A indústria de lanifícios,
prioritária na Covilhã, era muito trabalhosa".
Quando as crianças começavam a crescer iam
encher canelas, que era pôr o fio na bobine, por
isso não tinham "nem arco, nem bola, nem pião".
"Primeiro enchiam para um, que era um tecelão,
e eles diziam "já encho para um". Depois
quando já se desembaraçavam melhor "enchiam
para dois", este era o início do percurso
do tecelão, que era o principal operário
da indústria têxtil", lembra.
No monumento ao operário da Covilhã há
uma quadra da sua autoria:
Oh tecelão que teceste com galhardia o teu pão
Cardaste, fiaste, e cresceste
Com a canela por pião
Gosta muito da Covilhã e de ver a cidade a transformar-se,
da universidade diz que é "uma coisa fabulosa,
uma mais valia, pela vida que dá, e sobretudo pela
cultura que vem perspectivar ao povo da minha terra, no
futuro".
Há uma certa parte que lhe "impõe saudade".
"Viajo muito, mas quando estou algum tempo que eu
considero demais, fora, só gosto de vir para cá.
Gosto das gentes, e depois estou também numa idade
em que gosto de andar no meio de pessoas conhecidas e
que me conheçam".
Também a encanta a imponência da Serra, vista
de uma janela "comparo-a com o mar. São os
dois pólos e sobrepõem-se à pessoa,
embora a pessoa possa pensar sobre eles e eles não
possam pensar sobre a pessoa".
Viagens pela Europa
Andou pela Europa cerca de 20 anos que foram também
uma inspiração para a sua poesia.
"Aprendi muitas coisas porque visitei museus e espaços
de cultura. No meu tempo e com a minha idade, poucas pessoas
visitavam museus quando iam de viagem. Se fossem a Paris,
por exemplo, iam olhar para a Torre Eifel e vinham embora".
A primeira vez que foi a Paris, tinha 36 anos. "Adorei
lá estar, conhecer aqueles hábitos, havia
os pintores de rua, e tudo isso para mim era novidade".
Conta um caso que demonstra bem a lacuna cultural entre
os dois países. "Em certa ocasião havia
um casal que vinha num passeio, a beijar-se muito. Vi-os
a beijarem-se e tanto eu como o meu marido rimo-nos imenso
porque eles não deram conta que o passeio tinha
acabado e caíram os dois um em cima do outro.
E eu dizia para o meu marido, olha que disparate aquilo,
aqui na rua, em frente de toda a gente, se fossem para
Portugal, o Salazar dizia-lhes como é que era.
Dizia eu, porque nós cá vivíamos
segundo aquilo que emanava".
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