Catarina Tomás

Práticas de Consumo Globais e Locais


Saiu recentemente a obra de Barrie Gunter e Adrian Furnham "As Crianças como Consumidoras - Uma Análise Psicológica do Mercado Juvenil". Os autores partem da constatação que, com a globalização dos media, o estilo de consumismo associado às modernas sociedades industriais ocidentais se difundiu mundialmente. E de que, de forma paralela, o mercado infantil ganhou uma importância extrema, provavelmente como nunca o tinha feito, sobretudo por dois motivos: 1) pelo impacto que as mensagens dirigidas às crianças têm junto delas; 2) papel que as crianças podem desempenhar ao influenciar a compra de produtos pelos pais, em cerca de 172 biliões de dólares, só nos Estados Unidos.
Os autores concluíram que a "socialização do consumidor no que diz respeito à criança começa numa idade muito precoce", ou seja, a influência parental é muito importante nos modelos de consumo. No entanto, importante é também o facto dos hábitos consumistas da infância e juventude serem um produto de outros agentes socializantes, como por exemplo, a família, grupo de pares e meios de comunicação social. No final do livro levantam uma questão muito importante, a questão da protecção dos consumidores infantis, porque as estratégias desenvolvidas pela aliança indústria/publicidade a fim de conquistar a área da infância é, desde muito cedo, um mercado ávido e reivindicativo perante o poder de compra que neste caso os pais consubstanciam ("as pessoas são livres de fazerem o que querem" e "eles querem", serão estes alguns dos argumentos dos que não concordam com esta análise. Só relembrar que estes são os mesmos argumentos utilizados pelos pedófilos). É possível, pela primeira vez na história, definirem-se estratégias de marketing global dirigida às crianças e jovens. Há mesmo autores a designarem estes grupos por "Generation Market Clout" (geração alvo de mercado), porque os jovens deixaram de ser produtores para serem consumidores, isto é, na era do global e dos actuais processos de globalização o conceito de cidadão é substituído pelo de consumidor.
Mesmo em relação às actividades de tempos livres, 80% dos jovens portugueses gostam de ver montras nas ruas ou centros comerciais (por contraste aos baixos valores de participação cívica, por exemplo), segundo os resultados do inquérito aos jovens portugueses (15-29 anos) - "Condutas de Risco, Práticas Culturais e Atitudes perante o Corpo" - realizado pelo Instituto de Ciências Sociais, através do Observatório Permanente da Juventude, coordenado por Manuel Villaverde Cabral e José Machado Pais (ainda não publicado oficialmente).
Não será uma forma de exploração, a actual promoção da infância e juventude em consumidores privilegiados? E numa sociedade semiperiférica como é Portugal, esta "compulsão ao consumo", utilizando a terminologia de Hespanha (2001:220), que se traduz, algumas vezes, no endividamento das famílias, traduz não só uma forma de risco social mas também uma forma de globalização insidiosa, uma globalização de baixa intensidade, já que as estratégias cumulativas de muitas famílias portuguesas caracterizam-se, muitas vezes, num desajustamento entre as necessidades reais e formas de respostas sociais.