"Vou
dizer pela primeira vez em público que tinha uma
ideia muito negativa da Beira raiana e, concretamente, da
Covilhã". Foi com estas palavras que Vítor
Serrão, presidente do Instituto de História
da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa (IHAFLL) e responsável
pela pesquisa histórica das pinturas setecentistas,
iniciou o seu discurso. "Mas verdade é que,
fruto do trabalho que há ano e meio arrancou, por
convite do PCP, da Região de Turismo e do IPPAR,
verificámos que afinal a Covilhã tem um património
de grande mérito e valor no contexto do país".
"O tecto que estão a ver mostra um modo de actuar,
de agir, de decorar, num momento da história de Portugal
particularmente complicada, do declínio de Portugal
com o domínio espanhol" e testemunha uma atitude
de orgulho local.
As obras de restauro foram levadas a cabo em resultado de
um protocolo estabelecido entre o PCP, proprietário
da Casa das Morgadas, local onde se encontram as pinturas,
e a Região de Turismo da Serra da Serra da Estrela.
Desde há cerca de 20 anos que este projecto era alimentado
mas a falta de verbas e a inexistência de uma política
na área do património levou a que só
agora a recuperação fosse possível.
Como o Urbi noticiou na edição n º 20
, neste salão encontram-se pinturas barrocas dos
séculos XVII/XVIII. Infiltrações de
água e um envernizamento descuidado conduziram a
uma deterioração progressiva das pinturas:
quatro painéis pintados em madeira, que representam
figuras femininas alusivas a quatro continentes: Europa,
Ásia, África e América e são
acompanhados por oito painéis laterais. Ásia
e Europa são representadas como damas de estrato
elevado. África e América são tidas
como selvagens. "Os atributos da figura que personifica
a África mostram isso mesmo: a figura com o dente
de marfim simboliza o homem da zona tórrida, que
tanto medo provocava a todos os descobridores que imaginavam
não ser possível contactar essa zona sem ficar
queimado", declarou o Dr. Ricardo Silva, mestre em
História de Arte.
Abrir caminho a novas descobertas
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A pintura representando o continente asiático
em forma de mulher
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Depois de limpo e restaurado o tecto lança novos
desafios aos historiadores, sobretudo nos painéis
laterais. A análise destas pinturas vai permitir
uma leitura mais detalhada "de modos de ver o mundo
através do binóculo da Covilhã. Embora
ingénua, é um livro aberto do modo como,
a partir da Covilhã, o mundo era entrevisto, revelado
e descoberto" frisou Vítor Serrão.
Até ao momento já se descobriu o nome da
família que encomendou a obra, e a existência
de uma escola de pintura na Covilhã, na qual se
destacava o nome de Manuel Pereira, responsável
pelas pinturas.
O secretário- geral do PCP aproveitou a sua presença
na Sala dos Continentes para referir a importância
do diálogo das culturas e da abertura ao mundo.
"Estamos aqui na afirmação de um acto
cultural e também na afirmação de
um acto de democracia. Numa altura em que, pela Europa,
velhos demónios se levantam, creio que, nesta semana
que faz a ponte entre Abril e Maio, estamos numa afirmação
de valores no nosso país e também universais."
O presidente da RTSE considerou que "a Covilhã
está de parabéns" e realçou
a importância das pinturas estarem nas mãos
de uma entidade pública, uma vez que "se fossem
de uma entidade privada já estariam destruídas."
Para os investigadores de história da arte a recuperação
dos painéis presentes na Casa das Morgadas veio
abrir caminho para novas descobertas na região.
O IPPAR e a Proestrela fizeram-se também representar.
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