José Geraldes


França e extrema-direita

Os políticos devem responder em concreto às reais aspirações dos eleitores e não se fecharem nas políticas caseiras


Um terramoto político. Quase pareciam virtuais as projecções no ecrã da TV 5 -Europa, no domingo passado! Como era possível Le Pen, candidato da extrema-direita, conhecido pelas suas posições de racismo, xenofobia, populismo, anti-Europa e anti-imigração, alcançar o segundo lugar logo a seguir a Chirac, presidente cessante, na primeira volta das eleições presidenciais francesas? E isto no país dos direitos do homem.
E conseguir eliminar Jospin, considerado previamente o candidato da esquerda da segunda volta, a 5 de Maio ?
Mais uma vez as sondagens se enganaram. Que se passou na votação dos franceses ? Que explicações podem esclarecer este terramoto?
Note-se desde já que a uma semana do escrutínio o número de indecisos era muito elevado. E Le Pen subia nas intenções de voto que ia até aos 13 por cento. Mas as sondagens apresentavam sempre Chirac e Jospin nos dois primeiros lugares.
O que se previa, na primeira volta, dado haver 16 candidatos, era uma repartição dos votos à direita e à esquerda. Ou seja uma votação de protesto contra a classe política tradicional neste caso representada pelos dois favoritos da direita -Chirac- e esquerda -Jospin.
Quem seguiu a campanha, cedo se apercebia que os programas de Chirac e Jospin não eram muito diferentes. Ambos visavam os eleitores do centro para cativar mais votos. Cada medida anunciada por um candidato era logo retomada pelo outro com diferenças muito ligeiras. E o inquérito anual do Instituto de Sondagens SOFRES realizado nos dias 27 e 28 de Março passado revelava que dois terços dos franceses estavam decepcionados com os sete anos da presidência de Chirac.
A tendência para o voto das extremas-esquerda e direita na primeira volta era perceptível. A elevada abstenção de mais de 28 por cento foi mais uma ajuda para o resultado de domingo.
A campanha de Jospin deixou muito a desejar. Em Fevereiro, o próprio candidato anunciava que o "seu programa não era socialista." Só a uma semana das eleições, Jospin toma uma posição clara de esquerda com incidência nas questões sociais. Tarde demais. A tal ponto que até numa cidade de tradições operárias e socialistas como Lille, a vitória sorriu a Le Pen. E certas medidas do governo Jospin foram contestadas.
Mas o mal-estar da sociedade francesa assentava na insegurança que se faz sentir em todo o país e que atravessa todas as camadas sociais. Insegurança que se transformou no tema central da campanha. E cujo agravamento era atribuído ao governo de Jospin por ter menosprezado a autoridade do Estado.
Uma sondagem da SOFRES dos dias 4 e 5 de Abril revelava que as principais preocupações dos franceses eram precisamente a insegurança, o desemprego, a luta contra a pobreza e a exclusão e a manutenção das regalias sociais e das reformas. Na noite das eleições, o analista da SOFRES dizia que Le Pen tinha conseguido responder na sua campanha a estas preocupações fundamentais.
A insistência da campanha de Le Pen na insegurança tornou-se a sua mais-valia. O facto mostra que os políticos devem responder em concreto às reais aspirações dos eleitores e não se fecharem nas políticas caseiras.
Aqui está um exemplo para ser meditado. Hitler subiu ao poder pelos mecanismos de democracia.
A França que sofreu milhões de mortos por causa do racismo e da xenofobia de Hitler, não vai permitir que tal ideologia volte ao poder. Mas os seus políticos têm de encontrar novas respostas para os novos problemas dos eleitores.