Por Catarina Rodrigues e Eduardo Alves



Jorge Morais trabalha no meio jornalístico desde os 17 anos

Jorge Morais tem 47 anos, 30 dos quais dedicados ao jornalismo. Com apenas 17 anos começou a trabalhar nesta área. Fez o primeiro estágio no diário "República" que acabou por fechar devido à turbulência política do pós 25 de Abril. Seguidamente Jorge Morais acompanhou a equipa do "República" na fundação do jornal "A Luta". Nos finais da década de 70 participou na fundação do "Correio da Manhã" onde foi chefe de redacção. Desde então, nunca mais deixou de ter cargos com responsabilidade editorial, exceptuando os quatro anos que viveu e estudou em Londres.
A experiência mais longa que teve num jornal foi no semanário "Tal e Qual" no qual foi repórter, redactor, chefe de redacção e director. Passou pelo "Independente", como editor de sociedade, e envolveu-se mais tarde na fundação, estruturação e lançamento do diário "24 Horas" onde chegou a ser director. Hoje, Jorge Morais, diz que não há muitos jornais nacionais onde não tenha trabalhado.



Urbi et Orbi- Um projecto jornalístico apresenta sempre grandes dificuldades, sobretudo no seu começo. Depois de uma experiência em diários nacionais, o que o levou a entrar no projecto de um diário regional?
Jorge Morais -
Deixei a direcção do "24 Horas" no fim do ano passado. Estava preparado para umas férias quando me desafiaram para aplicar algumas coisas que aprendi ao longo da vida num projecto diário na Beira Interior e eu aceitei de imediato. Pareceu-me um desafio muito interessante porque achei curioso contrariar a ideia que os grandes diários são de Lisboa ou, excepcionalmente, do Porto. Pareceu-me importante montar aqui uma estrutura jornalística tão profissional como se estivesse em Lisboa. Este jornal que está a nascer é um diário como qualquer outro, mas que por acaso não é feito na capital.

U@O - Que visão tinha desta região antes e agora?
J.M.
- Comparado com quem aqui nasceu e viveu sempre, tenho um conhecimento reduzido da região. Mas ao longo da minha vida profissional desloquei-me muitas vezes a esta zona. A seguir ao Alentejo, esta é a região do país que eu conheço melhor. Curiosamente o meu avô paterno era de Melo, no concelho de Gouveia. Existe na Beira Interior uma franqueza e uma lealdade que combinam com a minha maneira de ser.

U@O - O diário terá um estilo mais popular como o "24 Horas" ou um estilo de referência?
J.M.
- O "24 Horas" que eu dirigi não é bem o "24 Horas" actual. Houve uma evolução no projecto desse jornal que agora está mais virado para a área do espectáculo e menos para a densidade de temas sociais que caracterizavam o produto na altura em que ele foi dirigido por mim. O "Diário XXI" tentará ser um modelo de jornal popular feito com inteligência e moderação. Não será um tablóide à maneira do inglês "The Sun". Se houvesse comparação com os jornais populares anglo-saxónicos, seria mais com o "Daily Mirror" do que com qualquer outro. Este novo jornal vai preocupar-se com causas sociais e olhar os factos com seriedade. Na sua formulação gráfica pode ser comparável às publicações populares.

U@O - Existe ainda uma espécie de preconceito face aos jornais populares. O que tem a dizer acerca disso?
J.M.
- Em Portugal, os jornais populares são vítimas de um preconceito de origem francófona por oposição à tradição angló-saxónica. Esta situação tem a ver com própria estruturação da intelectualidade portuguesa no século XX que foi feita com base no gosto francês. Não entendo como é que este preconceito subsiste uma vez que está provado em todo o mundo que a imprensa popular desempenha uma tarefa de vulgarização, disseminação de informação e circulação de ideias que a imprensa chamada séria, que eu costumo chamar "sisuda", não consegue alcançar. Pela sua própria natureza, a imprensa popular ocupa-se dos problemas das pessoas numa linguagem simples, acessível e directa. Curiosamente tem-se também provado que a imprensa popular, ao contrário do receio manifestado, não rouba leitores à imprensa "sisuda": cria, isso sim, novos leitores.


Jorge Morais na redacção do Diário XXI, no Fundão



U@O - Que rubricas vai ter o novo diário?

J.M.- Não posso entrar em pormenores. Estamos próximos da data de lançamento do jornal e isso obriga-nos a ter alguma prudência na divulgação de dados concretos sobre o seu conteúdo. Posso, no entanto, traçar em linhas gerais o que vai ser o "Diário XXI". Não vai ter exactamente uma primeira página, mas sim aquilo a que eu chamo capa. Será uma montra. Não vai ter textos a começar na primeira página, mas sim chamadas, uma principal e outras acessórias. Vai ter uma zona de leitores em que toda a gente pode escrever, através de e-mail ou correio tradicional. Como não podia deixar de ser, vai ter uma zona centrada em temas da região, desde a Guarda a Castelo Branco. Terá uma zona de debate sobre um tema diário, informação nacional, sociedade, política, economia, internacional, desporto (em que apostamos com alguma força), cultura e espectáculo. Na contracapa estará sempre um tema dominante.
Ao longo das 24 páginas que vai ter a edição vamos ter várias secções, rubricas, entrevista, comentário, opinião e tudo aquilo que um diário tem que ter, nomeadamente passatempos.

U@O - Numa região onde existe um grande número de semanários, mas também uma insuficiência de leitores assíduos, qual a função deste jornal diário?
J.M.
- A questão dos semanários é interessante. Eles têm vida própria e público próprio. São basicamente jornais de reflexão semanal com uma grande densidade opinativa. São muito localizados no noticiário que dão e, evidentemente, cumprem uma função social que é a de manter ligações na comunidade e elos afectivos de identificação. Um diário é uma coisa completamente diferente. Um diário é a Fórmula Um da imprensa, é outro campeonato. Não vai sequer concorrer com os semanários, aos quais desejamos longa e boa vida. É até importante que os semanários tenham uma grande implantação e a aumentem porque isso cria um mercado aberto ao consumo de informação. Não queremos concorrer com os semanários, queremos que eles cresçam, porque se eles crescerem nós também podemos crescer.


U@O - Então com que jornais vai concorrer o "Diário XXI"?
J.M.
- O nosso campeonato é diário e é com os diários que vamos competir. No distrito de Castelo Branco, o "Correio da Manhã" vende todos os dias cerca de mil e 200 exemplares. O "Jornal de Notícias", o "Público" e o "Diário de Notícias" juntos vendem outros mil. Na Guarda vende-se um pouco menos. Mas, em termos globais, nos dois distritos vendem-se todos os dias cerca de 4500 jornais diários não desportivos. Se juntarmos os desportivos o número aumentará para dez mil. Esta é a nossa zona de intervenção e este é o nosso mercado. Se me perguntarem se quero roubar leitores a esses diários respondo que sim. Mas de preferência até nem quero roubar, quero criar novos leitores e hábitos de leitura em pessoas que os não têm e consomem sobretudo rádio e televisão. O jornal sairá de segunda a sexta. O seu preço de capa vai ajudar a criar esses novos leitores, já que será de 50 cêntimos.

U@O- Qual o público-alvo?
J.M.
- Vamos trabalhar num nível de linguagem que seja acessível a toda a gente, desde uma empregada de limpeza a um professor universitário. Não temos um público-alvo segmentado em termos sociais. Vamos trabalhar com alguma atenção no sentido de satisfazer uma massa de leitores mais jovem até porque a nossa redacção é jovem. A média de idades ronda os 27 anos.

U@O- Quais serão as principais medidas para a criação de um número estável de leitores?
J.M.
- Acima de tudo fazer um bom trabalho. Claro que há uma campanha de lançamento cujo objectivo é dar a conhecer o jornal. Mas se o jornal não for bom podemos fazer muitas campanhas mas nunca lá chegaremos. Queremos fazer um bom jornal, sólido mas atraente, de leitura fácil e agradável.

U@O - Na linha editorial desta publicação existe algum ponto de maior destaque?
J.M.
- Somos um jornal com causas contrariando um pouco as teses de Pacheco Pereira que chama "perigoso" ao jornalismo de causas. A Beira Interior precisa que as suas causas sejam defendidas, mas o jornal não vai fazê-lo de uma forma militante. O "Diário XXI" não tem interesses próprios a não ser a difusão de informação. O trabalho vai ser feito de uma forma séria e equilibrada, ouvindo sempre toda a gente.

U@O- Como é composta a redacção?
J.M.
- Na sede, instalada na cidade do Fundão, iremos ter cinco jornalistas, uma direcção que é composta por mim e por um adjunto (Luís Fonseca), um fotógrafo, dois paginadores e uma pessoa em cada delegação, Castelo Branco, Guarda e Covilhã.

U@O- Quanto ao painel de comentadores...
J.M.
- Vamos ter um conselho editorial com pessoas intelectualmente respeitadas da região. Pretende-se que este grupo nos ajude a reflectir periodicamente sobre o rumo do jornal. Teremos também um conjunto de colunistas, residentes ou não nesta zona.

O director do diário aponta a saída para as bancas entre finais de Maio e princípios de Junho

U@O- Porquê "Diário XXI"?
J.M.
- Este jornal nasce praticamente com o século e por isso aparece 21 em romano. É um jornal para o futuro. Daqui a cem anos terá que se mudar o nome para Diário XXII.

U@O- Quando é que iremos ter o primeiro número nas bancas?
J.M.
- Neste momento temos a instalação das telecomunicações concluída e iniciámos o processo de montagem da informática. A equipa de redacção está contratada e a trabalhar há um mês na preparação de entrevistas, reportagens e notícias.
Não temos uma data administrativa cabal, mas estamos a apontar para que o lançamento do jornal seja feito entre finais de Maio e princípios de Junho. Não queremos sair precipitadamente. Só sairemos para as bancas quando tivermos a máquina toda montada e pronta para sair produzir um trabalho com dignidade.

U@O- Que reacção espera dos semanários regionais?
J.M.
- Espero uma pequena notícia em cada um deles a anunciar o nosso começo. Da nossa parte vai haver uma abertura total para o diálogo e até para um trabalho conjunto, conforme as circunstâncias do que estiver em causa. Com as rádios será diferente, já que estas são, como nós, diárias e por isso podemos chegar a acordos práticos de colaboração.

U@O- O curso de Ciências da Comunicação, e os jornalistas que ali se licenciam, é uma mais valia para a imprensa regional e em concreto para este diário?
J.M.
- Claro que é uma mais valia. Os cursos de Ciências da Comunicação não foram bons durante algum tempo. Eram muito virados para a teoria e para a história da comunicação. Hoje em dia estes cursos evoluíram no sentido de dar uma formação teórico-prática. Quem sai do curso da UBI tem uma preparação cultural e jornalística cada vez melhor.

U@O- Que visão tem do jornalismo português?
J.M.
- Há muita preguiça no jornalismo português. Quando falo em jornalismo falo sobretudo em imprensa escrita, que é o que conheço bem. Televisão e rádio escapam-me um pouco. A escrita tem outra profundidade e outra vertente de tempo. Tem um ritmo de comunicação que me agrada mais.
Penso que na imprensa escrita as coisas podiam estar bem melhores, se houvesse mais ligação entre as redacções e a vida real e se houvesse menos seguidismo em relação ao cliché da mitologia televisiva. Os projectos jornalísticos portugueses são muito "Lisboa". Contrariar isso dá trabalho e custa dinheiro. Juntam-se as redacções com as administrações numa relação paradigmática, o que faz com que haja falta de conhecimento sobre o quotidiano da vida das pessoas. O jornalista chega a um sítio como um extraterrestre de bloco na mão e gravador em punho, esperando em dois segundos saber aquilo que devia ter preparado ao longo de dois dias. Esta situação acaba por tornar o jornalismo preguiçoso e superficial.

U@O- Como avalia a nova geração de jornalistas?
J.M.- Avalio bem, muito melhor do que aquela em que eu cresci. De qualquer forma acho que a minha geração tinha mais preocupações de carácter literário e gramatical. Mas enfim, não se pode ter tudo. Esta nova geração está a encontrar-se um pouco melhor e está a ir ao encontro de algumas preocupações que eu tinha referido na resposta anterior.

 




O 25 de Abril "correspondeu a um desfecho de um regime onde não existia aquilo que para um jornalista é o bem primordial: a liberdade".



25 de Abril e a Liberdade



U@O- Comemoraram-se na passada semana os 28 anos do 25 de Abril. Como vê a questão da liberdade de imprensa?
J.M.
- Para mim Abril de 74 foi um período fantástico. Eu era um jovem repórter que estava a acabar o estágio. Foi uma semana extraordinária. Fiz anos no dia 22, tive uma revolução foi no dia 25 e casei-me no dia 27. De madrugada fui alertado por um telefonema, dirigi-me para a redacção do jornal "República" e passei o dia numa alegria que não me cabia no coração. Entre o Carmo, a Baixa e a redacção do jornal, andei um pouco louco, como toda a gente neste dia. Foi algo que correspondeu a um desfecho de um regime onde não existia aquilo que para um jornalista é o bem primordial: a liberdade. O 25 de Abril trouxe consigo outras coisas como a esperança na melhoria do nível das condições de vida, de progressão da economia e do desenvolvimento industrial. Mas para mim foi sobretudo o dom da liberdade que foi conquistado nesse dia. Por isso juntei-me, nos anos que se seguiram ao 25 de Abril, a todos aqueles que combateram as propostas de limitação da liberdade. Qualquer limitação da liberdade é contra o povo e nunca a favor dele, mesmo que o seu nome seja invocado. O pós 25 de Abril trouxe de novo ameaças à liberdade, mas eu sempre a defendi. Hoje, ao olhar para trás, questiono-me se todo o "desenvolvimento" terá sido bom, não por ser um desenvolvimento, mas pela forma anárquica e desordenada em que foi feito.