Jorge Morais tem 47 anos, 30 dos quais dedicados ao
jornalismo. Com apenas 17 anos começou a trabalhar
nesta área. Fez o primeiro estágio no diário
"República" que acabou por fechar devido
à turbulência política do pós
25 de Abril. Seguidamente Jorge Morais acompanhou a equipa
do "República" na fundação
do jornal "A Luta". Nos finais da década
de 70 participou na fundação do "Correio
da Manhã" onde foi chefe de redacção.
Desde então, nunca mais deixou de ter cargos com
responsabilidade editorial, exceptuando os quatro anos
que viveu e estudou em Londres.
A experiência mais longa que teve num jornal foi
no semanário "Tal e Qual" no qual foi
repórter, redactor, chefe de redacção
e director. Passou pelo "Independente", como
editor de sociedade, e envolveu-se mais tarde na fundação,
estruturação e lançamento do diário
"24 Horas" onde chegou a ser director. Hoje,
Jorge Morais, diz que não há muitos jornais
nacionais onde não tenha trabalhado.
Urbi et Orbi- Um projecto jornalístico apresenta
sempre grandes dificuldades, sobretudo no seu começo.
Depois de uma experiência em diários nacionais,
o que o levou a entrar no projecto de um diário
regional?
Jorge Morais - Deixei a direcção do
"24 Horas" no fim do ano passado. Estava preparado
para umas férias quando me desafiaram para aplicar
algumas coisas que aprendi ao longo da vida num projecto
diário na Beira Interior e eu aceitei de imediato.
Pareceu-me um desafio muito interessante porque achei
curioso contrariar a ideia que os grandes diários
são de Lisboa ou, excepcionalmente, do Porto. Pareceu-me
importante montar aqui uma estrutura jornalística
tão profissional como se estivesse em Lisboa. Este
jornal que está a nascer é um diário
como qualquer outro, mas que por acaso não é
feito na capital.
U@O - Que visão tinha desta região antes
e agora?
J.M.- Comparado com quem aqui nasceu e viveu sempre,
tenho um conhecimento reduzido da região. Mas ao
longo da minha vida profissional desloquei-me muitas vezes
a esta zona. A seguir ao Alentejo, esta é a região
do país que eu conheço melhor. Curiosamente
o meu avô paterno era de Melo, no concelho de Gouveia.
Existe na Beira Interior uma franqueza e uma lealdade
que combinam com a minha maneira de ser.
U@O - O diário terá um estilo mais popular
como o "24 Horas" ou um estilo de referência?
J.M.- O "24 Horas" que eu dirigi não
é bem o "24 Horas" actual. Houve uma
evolução no projecto desse jornal que agora
está mais virado para a área do espectáculo
e menos para a densidade de temas sociais que caracterizavam
o produto na altura em que ele foi dirigido por mim. O
"Diário XXI" tentará ser um modelo
de jornal popular feito com inteligência e moderação.
Não será um tablóide à maneira
do inglês "The Sun". Se houvesse comparação
com os jornais populares anglo-saxónicos, seria
mais com o "Daily Mirror" do que com qualquer
outro. Este novo jornal vai preocupar-se com causas sociais
e olhar os factos com seriedade. Na sua formulação
gráfica pode ser comparável às publicações
populares.
U@O - Existe ainda uma espécie de preconceito
face aos jornais populares. O que tem a dizer acerca disso?
J.M.- Em Portugal, os jornais populares são
vítimas de um preconceito de origem francófona
por oposição à tradição
angló-saxónica. Esta situação
tem a ver com própria estruturação
da intelectualidade portuguesa no século XX que
foi feita com base no gosto francês. Não
entendo como é que este preconceito subsiste uma
vez que está provado em todo o mundo que a imprensa
popular desempenha uma tarefa de vulgarização,
disseminação de informação
e circulação de ideias que a imprensa chamada
séria, que eu costumo chamar "sisuda",
não consegue alcançar. Pela sua própria
natureza, a imprensa popular ocupa-se dos problemas das
pessoas numa linguagem simples, acessível e directa.
Curiosamente tem-se também provado que a imprensa
popular, ao contrário do receio manifestado, não
rouba leitores à imprensa "sisuda": cria,
isso sim, novos leitores.
Jorge Morais na redacção
do Diário XXI, no Fundão
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U@O - Que rubricas vai ter o novo diário?
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J.M.- Não posso entrar em pormenores. Estamos
próximos da data de lançamento do jornal
e isso obriga-nos a ter alguma prudência na divulgação
de dados concretos sobre o seu conteúdo. Posso,
no entanto, traçar em linhas gerais o que vai ser
o "Diário XXI". Não vai ter exactamente
uma primeira página, mas sim aquilo a que eu chamo
capa. Será uma montra. Não vai ter textos
a começar na primeira página, mas sim chamadas,
uma principal e outras acessórias. Vai ter uma
zona de leitores em que toda a gente pode escrever, através
de e-mail ou correio tradicional. Como não podia
deixar de ser, vai ter uma zona centrada em temas da região,
desde a Guarda a Castelo Branco. Terá uma zona
de debate sobre um tema diário, informação
nacional, sociedade, política, economia, internacional,
desporto (em que apostamos com alguma força), cultura
e espectáculo. Na contracapa estará sempre
um tema dominante.
Ao longo das 24 páginas que vai ter a edição
vamos ter várias secções, rubricas,
entrevista, comentário, opinião e tudo aquilo
que um diário tem que ter, nomeadamente passatempos.
U@O - Numa região onde existe um grande número
de semanários, mas também uma insuficiência
de leitores assíduos, qual a função
deste jornal diário?
J.M.- A questão dos semanários é
interessante. Eles têm vida própria e público
próprio. São basicamente jornais de reflexão
semanal com uma grande densidade opinativa. São
muito localizados no noticiário que dão
e, evidentemente, cumprem uma função social
que é a de manter ligações na comunidade
e elos afectivos de identificação. Um diário
é uma coisa completamente diferente. Um diário
é a Fórmula Um da imprensa, é outro
campeonato. Não vai sequer concorrer com os semanários,
aos quais desejamos longa e boa vida. É até
importante que os semanários tenham uma grande
implantação e a aumentem porque isso cria
um mercado aberto ao consumo de informação.
Não queremos concorrer com os semanários,
queremos que eles cresçam, porque se eles crescerem
nós também podemos crescer.
U@O - Então com que jornais vai concorrer o
"Diário XXI"?
J.M.- O nosso campeonato é diário e
é com os diários que vamos competir. No
distrito de Castelo Branco, o "Correio da Manhã"
vende todos os dias cerca de mil e 200 exemplares. O "Jornal
de Notícias", o "Público"
e o "Diário de Notícias" juntos
vendem outros mil. Na Guarda vende-se um pouco menos.
Mas, em termos globais, nos dois distritos vendem-se todos
os dias cerca de 4500 jornais diários não
desportivos. Se juntarmos os desportivos o número
aumentará para dez mil. Esta é a nossa zona
de intervenção e este é o nosso mercado.
Se me perguntarem se quero roubar leitores a esses diários
respondo que sim. Mas de preferência até
nem quero roubar, quero criar novos leitores e hábitos
de leitura em pessoas que os não têm e consomem
sobretudo rádio e televisão. O jornal sairá
de segunda a sexta. O seu preço de capa vai ajudar
a criar esses novos leitores, já que será
de 50 cêntimos.
U@O- Qual o público-alvo?
J.M.- Vamos trabalhar num nível de linguagem
que seja acessível a toda a gente, desde uma empregada
de limpeza a um professor universitário. Não
temos um público-alvo segmentado em termos sociais.
Vamos trabalhar com alguma atenção no sentido
de satisfazer uma massa de leitores mais jovem até
porque a nossa redacção é jovem.
A média de idades ronda os 27 anos.
U@O- Quais serão as principais medidas para
a criação de um número estável
de leitores?
J.M.- Acima de tudo fazer um bom trabalho. Claro que
há uma campanha de lançamento cujo objectivo
é dar a conhecer o jornal. Mas se o jornal não
for bom podemos fazer muitas campanhas mas nunca lá
chegaremos. Queremos fazer um bom jornal, sólido
mas atraente, de leitura fácil e agradável.
U@O - Na linha editorial desta publicação
existe algum ponto de maior destaque?
J.M.- Somos um jornal com causas contrariando um pouco
as teses de Pacheco Pereira que chama "perigoso"
ao jornalismo de causas. A Beira Interior precisa que
as suas causas sejam defendidas, mas o jornal não
vai fazê-lo de uma forma militante. O "Diário
XXI" não tem interesses próprios a
não ser a difusão de informação.
O trabalho vai ser feito de uma forma séria e equilibrada,
ouvindo sempre toda a gente.
U@O- Como é composta a redacção?
J.M.- Na sede, instalada na cidade do Fundão,
iremos ter cinco jornalistas, uma direcção
que é composta por mim e por um adjunto (Luís
Fonseca), um fotógrafo, dois paginadores e uma
pessoa em cada delegação, Castelo Branco,
Guarda e Covilhã.
U@O- Quanto ao painel
de comentadores...
J.M.- Vamos ter um conselho editorial com pessoas
intelectualmente respeitadas da região. Pretende-se
que este grupo nos ajude a reflectir periodicamente
sobre o rumo do jornal. Teremos também um
conjunto de colunistas, residentes ou não
nesta zona.
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O director do diário aponta a saída
para as bancas entre finais de Maio e princípios
de Junho
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U@O- Porquê "Diário XXI"?
J.M.- Este jornal nasce praticamente com o século
e por isso aparece 21 em romano. É um jornal para
o futuro. Daqui a cem anos terá que se mudar o
nome para Diário XXII.
U@O- Quando é que iremos ter o primeiro número
nas bancas?
J.M.- Neste momento temos a instalação
das telecomunicações concluída e
iniciámos o processo de montagem da informática.
A equipa de redacção está contratada
e a trabalhar há um mês na preparação
de entrevistas, reportagens e notícias.
Não temos uma data administrativa cabal, mas estamos
a apontar para que o lançamento do jornal seja
feito entre finais de Maio e princípios de Junho.
Não queremos sair precipitadamente. Só sairemos
para as bancas quando tivermos a máquina toda montada
e pronta para sair produzir um trabalho com dignidade.
U@O- Que reacção espera dos semanários
regionais?
J.M.- Espero uma pequena notícia em cada um
deles a anunciar o nosso começo. Da nossa parte
vai haver uma abertura total para o diálogo e até
para um trabalho conjunto, conforme as circunstâncias
do que estiver em causa. Com as rádios será
diferente, já que estas são, como nós,
diárias e por isso podemos chegar a acordos práticos
de colaboração.
U@O- O curso de Ciências da Comunicação,
e os jornalistas que ali se licenciam, é uma mais
valia para a imprensa regional e em concreto para este
diário?
J.M.- Claro que é uma mais valia. Os cursos
de Ciências da Comunicação não
foram bons durante algum tempo. Eram muito virados para
a teoria e para a história da comunicação.
Hoje em dia estes cursos evoluíram no sentido de
dar uma formação teórico-prática.
Quem sai do curso da UBI tem uma preparação
cultural e jornalística cada vez melhor.
U@O- Que visão tem do jornalismo português?
J.M.- Há muita preguiça no jornalismo
português. Quando falo em jornalismo falo sobretudo
em imprensa escrita, que é o que conheço
bem. Televisão e rádio escapam-me um pouco.
A escrita tem outra profundidade e outra vertente de tempo.
Tem um ritmo de comunicação que me agrada
mais.
Penso que na imprensa escrita as coisas podiam estar bem
melhores, se houvesse mais ligação entre
as redacções e a vida real e se houvesse
menos seguidismo em relação ao cliché
da mitologia televisiva. Os projectos jornalísticos
portugueses são muito "Lisboa". Contrariar
isso dá trabalho e custa dinheiro. Juntam-se as
redacções com as administrações
numa relação paradigmática, o que
faz com que haja falta de conhecimento sobre o quotidiano
da vida das pessoas. O jornalista chega a um sítio
como um extraterrestre de bloco na mão e gravador
em punho, esperando em dois segundos saber aquilo que
devia ter preparado ao longo de dois dias. Esta situação
acaba por tornar o jornalismo preguiçoso e superficial.
U@O- Como avalia a nova geração de jornalistas?
J.M.- Avalio bem, muito melhor do que aquela em
que eu cresci. De qualquer forma acho que a minha geração
tinha mais preocupações de carácter
literário e gramatical. Mas enfim, não se
pode ter tudo. Esta nova geração está
a encontrar-se um pouco melhor e está a ir ao encontro
de algumas preocupações que eu tinha referido
na resposta anterior.
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