Anabela Gradim
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Senhora Revolução
Comemoramos esta semana mais
um aniversário do 25 de Abril de 74. A revolução
já não é o que era. Perdeu o cartão
jovem, e está quase, quase, a abandonar essa construção
mítica a que costumamos chamar juventude, e que
toca todos aqueles que não passaram ainda a barreira
dos trinta.
Ocorre-me agora que para a grande maioria dos nossos alunos,
e dos aprendizes de jornalista do Urbi, essa data, 1974,
fica algures nesse passado brumoso e remotíssimo
que contempla tudo aquilo que sucedeu antes de nós
nascermos. O calendário pessoal de cada um podia
até dividir-se em a.A, e d.A, antes da Anabela,
e depois, ou consoante o respectivo nome próprio.
É provável que Abril pareça aos nossos
muito jovens alunos algo tão distante como a mim
me parece a II Guerra, simplesmente porque se deu antes
de eu nascer.
É bom este distanciamento. É sinal de que
os acontecimentos de que falamos se consolidaram, ocupando
o lugar que lhes é devido na história. Democracia,
liberdade de associação, opinião
e expressão, direitos cívicos e laborais.
Também, e muito importante, um sem número
de direitos reconhecidos finalmente às mulheres,
e dos quais o Portugal salazarento não queria nem
ouvir falar: criaturas eternamente menores, passando da
tutela do pai directamente para a do marido, e depois,
se caso disso, dos filhos. Hoje - embora persistam desigualdades
de facto - já quase não faz sentido lembrar
tais velharias. Ainda bem. É uma sorte, e uma grande
felicidade. Importa porém recordar que não
foi há tanto tempo assim.
Ganhou-se também no que à vida pública
diz respeito. Portugal modernizou-se. Perdeu o império
mas abriu-se ao exterior. Perdeu o ar pitoresco. Homogeneizou-se.
Adeus very typicall para deleite dos turistas. Por mau
que seja isto que hoje temos, é seguramente bem
melhor.
Durante estes anos, o mundo mudou, mas o País mudou
ainda mais, e em muitos aspectos, para melhor. É
possível - e em Portugal não falta espaço
para tal - aprofundar a democracia e a participação
cívica; desenvolver novas formas de partilhar o
nosso espaço comum, e de tratar a coisa pública.
Ensinar a todos boas maneiras, educação
e civismo. Sobretudo, que nenhum desse gestos volte a
ter a ver com medo.
Sopram-se 28 velas. Está uma senhora, a Revolução.
Todos esses filhos, que nasceram depois de 74 e cresceram
debaixo da sua sombra tutelar, já esqueceram as
conquistas que ela trouxe. Porque são nossas. Porque
já não é preciso. Essa pode ser hoje
a nossa razão de festejar, e uma das formas de
lhe honrar a memória.
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