José Geraldes
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Indiferença e crise
Espinha: É preciso interiorizar
o pensamento de que a hora de "apertar o cinto"
chegaria sempre, fosse qual fosse o Governo saído
das Legislativas de Março
É proverbial a capacidade
do povo português para se adaptar a todas as circunstâncias,
a todos os momentos e a todos os lugares. A História
o demonstra. Quer em termos políticos, quer em
termos económicos.
A tendência para se conformar com as situações
conduz o português a uma passividade acomodada.
A sua forma de protesto leva-o a desembaraçar-se
dos problemas com atitudes de "desenrascanso"
à última hora. Não temos a racionalidade
dos franceses nem a lógica da disciplina dos alemães.
Somos um povo de poetas.
Esta nossa maneira de ser pode explicar as razões
pelas quais não conseguimos continuar, nem soubemos
aproveitar a prosperidade de determinados períodos
da nossa história colectiva. Períodos em
que fomos pioneiros, como no caso paradigmático
dos Descobrimentos. Jorge Dias e Eduardo Lourenço
analisam com muita clareza e argúcia esta questão.
Nas últimas eleições autárquicas
e legislativas, os portugueses comportaram-se de maneira
diferente. Claro que se tratou de eleições
específicas. Mas a adaptação a cada
acto eleitoral foi notória. Normalmente e, segundo
a tradição política, a uma vitória
das Autárquicas devia seguir-se uma vitória,
na mesma proporção em votos, nas Legislativas.
Ora tal não aconteceu. Nem mesmo com a diminuição
da abstenção.
Havia ainda outra razão que pendia para uma vitória
muito mais expressiva: o desencanto dos últimos
anos da governação socialista. A isto acrescentem-se
outros factos que, de alguma forma, sem qualquer margem
de dúvida, contribuíram para o desfecho
final das urnas. Mas é de notar, a seguir, a atitude
de apatia e de indiferença com que foi acompanhada
pela opinião pública, a formação
do novo Governo empossado no sábado passado, como
lembrou, em entrevista à TSF, o bispo emérito
de Setúbal D. Manuel Martins.
A indiferença e o conformismo, após o acto
eleitoral, são motivo de preocupação,
dados os tempos difíceis que nos esperam. Pois
pode surgir a tentação de cada um se fechar
num egoísmo feroz. Ora a atitude de interesse da
sociedade civil pela governação não
só é salutar, mas também serve de
termómetro da consciência política
do País. Além disso, mais do que nunca,
o valor da solidariedade deve ter presença obrigatória
na sociedade portuguesa.
É preciso interiorizar o pensamento de que a hora
de "apertar o cinto" chegaria sempre fosse qual
fosse o Governo saído das Legislativas de Março.
Os portugueses parecem estar ainda convencidos das facilidades
do crescimento económico dos anos 90. Medina Carreira,
insuspeito na matéria, dizia-nos, em círculo
de amigos, em tom de desabafo, aquando da sua passagem
recente pela Covilhã: " Se aqui ouvissem os
quatro economistas mais credenciados do País, ficariam
assustados."
A realidade inquestionável da crise parece alheada
dos cidadãos. E muitos convencem-se de que tal
crise existe só nos media. E a viver como se nada
disto lhes dissesse respeito. E impõe-se que se
diga, com toda a verdade, por culpa de quem, no momento
próprio, não teve a coragem de o admitir,
o sem ambiguidades.
É grave a indiferença. Mais grave ainda
é não querer ver o óbvio e o evidente.
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