Por Laura Sequeira


A procura de um amor que não se sabe se vem do coração ou de outra parte do corpo

O humor cortante de Beckett subiu ao palco. O monólogo interpretado e encenado por Miguel Borges, esteve em cena no Teatro-Cine na passada sexta feira, 5.
"O Primeiro Amor", publicado em 1970, faz parte de um conjunto de textos que contam a vida de um vagabundo. Este homem é um contador de histórias, da sua história, que não sabe ao certo se é sua. Conta a morte do pai e os passeios que dava no cemitério. Conta o amor que viveu, ou não viveu, não sabe muito bem. Conta um nascimento, o do seu filho, que também não está certo de ter acontecido.
A sua vida é negra, vazia, sem sentido. O amor é algo que o magoa, mas ao mesmo tempo, fascina.
Miguel Borges, o único actor em palco, "adorou o texto" quando o leu. Mas a relação com "O Primeiro Amor" mudou: viu que o texto "era muito sarcástico, mas tinha um humor fascinante". Para o actor, o interesse da peça é o facto de ser sarcástica, "torna-a mais difícil e interessante".
A peça tem lugar num cenário azul, onde se encontra uma cadeira, uma mesa e um chapéu. O chão está coberto de terra escura, como nos cemitérios. Nas mãos do actor estes poucos elementos transformam-se em diferentes lugares e objectos.


A história de um vagabundo que anda de costas para a vida

Neste monólogo, Miguel Borges tem dois papéis: o de actor e o de encenador. "O actor é o encenador de si próprio, tem que ser natural", explica.
O texto foi traduzido por Francisco Frazão e Miguel Borges faz uma interpretação rigorosa das palavras de Beckett. "Tu não podes nem pôr uma palavra a mais, nem tirar uma palavra. Está lá tudo e o texto basta", desabafa o actor.


Samuel Beckett

"Sempre tive a sensação de que em mim havia um ser assassinado. Assassinado antes de nascer. Eu tinha de reencontrar esse ser assassinado, voltar a dar-lhe vida".

Escritor e poeta irlandês, Samuel Beckett alcançou o seu êxito com textos escritos em francês. Nascido em Dublin em 1906, Beckett, o criador do teatro do absurdo, radicou-se em Paris a partir de 1928. Participou na resistência francesa no tempo da Segunda Guerra Mundial e foi obrigado a viver na clandestinidade. De jovem solitário passa para homem solitário que atrai as mulheres, mas não as quer.
A solidão leva-o a escrever sobre vagabundos e mendigos que procuram uma vida que faça sentido. Com um humor cortante, Beckett atingiu a consagração quando viu a peça "Esperando Gogot" ser representada.
O vazio da vida encontra-se em mais peças deste autor. "Dias Felizes" é a crónica de uma mulher que, enquanto relata a história da sua vida, assiste ao aumento do monte de lixo no qual está enterrada.
Em 1969 Samuel Beckett ganhou o Prémio Nobel da Literatura. "Qual é a palavra" é o último poema que escreveu e que foi publicado em 1990, logo após a sua morte.