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Entre o conformismo e as opções
Foi recentemente editado no Brasil
(quando já o fora no México em 1986), a
obra da socióloga chilena Marta Harnecker, "A
Batalha das Ideias". A autora propõe uma reflexão
à dicotomia estratégica-táctica,
alertando para importância da consciência
de que uma alternativa ao sistema de dominação
que se crítica, recusa e combate é indissociável
do Poder.
Num mundo em que pensar se tornou uma exigência,
pelo menos para uma minoria da população
mundial, já que a maioria não tem energias
para o fazer, por diversas razões: porque as condições
de vida não lhes permitem; porque estão
demasiado ocupados com o consumismo; porque "elegeram"
uma elite que pensará por eles...A verdade é
que vivemos um período de turbulência que
afecta tudo e todos, inclusive a ciência e a forma
de fazer ciência. Sobretudo quando as ciências
sociais desenvolvidas nos países centrais, nomeadamente
a Sociologia, estiveram tradicionalmente mais próximas
do poder, dos países centrais, legitimando de certa
forma o status quo e a reprodução da injustiça
social em que ele se traduz. Harnecker, como muitos outros
sociólogos e cientistas sociais, oferece-nos uma
outra forma de reflexão, e neste caso específico
sobre um conjunto de questões relativas à
situação da América Latina, especificamente
sobre Cuba, questionando interesses, e alertando para
a necessidade de manutenção das soberanias
nacionais, contra uma recolonização ideada
pelos EUA.
Certamente, muitos não concordarão com a
posição da socióloga, porque existem
mil e uma formas de discordância na interpretação
das teorias, e neste caso das teorias revolucionárias,
e das estratégias e caminhos traçados em
função dessas ideologias, que carregam,
como factor determinante, o peso da cultura e da história
de cada povo, diferenças em cada lugar e em cada
época. Tudo isto é reconhecido como válido
e importante no discurso teórico, no entanto, diante
de cada caso surgem os críticos que se servem de
luta travada por outros como rampa de lançamento
da sua própria presença na história
e na ciência. É antiquíssimo o confronto
de ideias que ocultam as razões preconceituosas
ou as ambições e inseguranças pessoais
por posições aparentemente adversas na luta
por melhores condições de vida para a humanidade
e para os indivíduos.
E não teremos certamente que escolher um lado em
detrimento de outro, porque há sempre duas faces
de um mesmo fenómeno, de uma mesma realidade. Se
a globalização permitiu, no campo da cultura,
a criação de novos campos de divulgação
cultural (Ásia, África ou América
Latina) fora das capitais tradicionais (Paris, Nova Iorque
e Londres), também permite que na produção
cultural, prime o conceito de benefício mercantil,
através do qual se reduz a qualidade, a variedade
e a consideração por clientes potenciais
que pertençam a uma minoria.
Assim sendo, é essencial analisar e debater a forma
como o discurso se constrói. Além disso
é difícil discutirmos uma produção
científica pessoal, um conhecimento ou uma aprendizagem
que possamos caracterizar como correctos, contudo a própria
ciência fornece-nos instrumentos, procedimentos
e técnicas de forma a fazer a ruptura com o senso
comum.
Surge aqui a questão da (im)parcialidade. É
usual acusar o sociólogo de parcialidade ou de
distorção quando mostra sentimentos ou reacções
de simpatia sobre aqueles que observa e analisa, aquilo
a que Howard Becker denomina por hierarquia da credibilidade.
Este autor parte do pressuposto de que o sociólogo
não é neutral quando estuda a sociedade,
e que, havendo sempre mais do que uma opção
de valor em presença, o sociólogo tem de
tomar posição e tem que estar consistente
da posição que toma. Daí que se torne
impreterível a auto-reflexividade, ou seja, o questionamento
sistemático e permanente sobre aquilo que observamos,
que caracterizamos, que estudamos. Contudo, sem nunca
nos conformarmos com a injustiça, com as desigualdades
sociais...pese embora as dificuldades e os obstáculos.
O saber, o conhecimento, a ciência têm de
ser construídos à escala humana, e o seu
resultado valerá pouco se não for calibrada
pela experiência pessoal. Mesmo porque a ciência
moderna caracteriza a prática quotidiana através
de um debate sério e não pelo reforçar
de lugares comuns. A Sociologia tem de voltar a ser a
consciência da transformação social
progressista, porque só "a sociologia entre
todas as ciências do homem nos põe em condições
de decidir aquilo que queremos fazer do que fizeram de
nós. Por outras palavras: graças à
sociologia, podemos doravante explorar, e em seguida racionalizar,
as nossas próprias motivações. Ou
noutros termos ainda: a sociologia torna-nos mais livres."
(Sartre, 1969).
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