José Geraldes

 


Eleições e histeria do futebol

A campanha eleitoral das Legislativas 2002 não deixa saudades. Mais uma vez, os grandes problemas do País foram relegados para um plano secundário. A entrada do futebol prostituiu os objectivos da campanha que devia ser uma confrontação democrática das propostas para o País e se tornou numa histeria surrealista. Falou-se até em situação kafkiana e com toda a razão. E para denunciar tão triste espectáculo, foi preciso que o Presidente da República, por causa do Euro 2004, tivesse de intervir em gesto de moderação.
Afinal, o que tivémos foi uma campanha clubística com todas as paixões daí decorrentes. Por causa dos estádios para o Euro 2004, encostaram-se os clubes a partidos políticos como se fosse isso o que estivesse em causa no dia 17 de Março.
Mas os culpados desta situação foram os partidos que entraram neste jogo só com o intuito de ganhar votos numa promiscuidade aberrante e detestável com o futebol. E da qual parece que não nos vamos libertar tão cedo. E que só vai prejudicar a governação e as suas prioridades. E não venham com a história de que o Euro 2004 é "um desígnio nacional." Como se da sua realização dependesse a resolução dos grandes problemas de Portugal. A que ponto chegámos! Lá honrar os compromissos, está certo. Mas as prioridades do País são outras.
Num livro intitulado "A Paixão do Futebol", publicado há quatro anos, o sociólogo francês Patrick Mignon refere que "a apropriação do futebol constitui um campo de batalha para as elites dirigentes". Os casos passados na campanha eleitoral confirmam a observação. Mas não podemos alimentar este tipo de situações. O povo elege deputados e não dirigentes desportivos. "Est modus in rebus". Cada coisa no seu lugar. O que está em causa é a eleição de uma assembleia legislativa e não os corpos sociais de clubes de futebol.
Nos tempos do PREC (Processo Revolucionário em Curso), a seguir ao 25 de Abril , o primeiro-ministro de um dos governos provisórios, almirante Pinheiro de Azevedo, disse uma frase que ficou célebre: "O povo é sereno".
O Vaticano II é taxativo : "Todos os cidadãos se lembrem do direito e simultaneamente do dever que têm de fazer uso do seu voto livre em vista da promoção do bem comum". Voto livre que não depende das opções legítimas clubísticas de cada um, mas tão somente pela "promoção do bem comum".
Ou seja, pela escolha consciente dos que nos oferecem garantias seguras na resolução dos problemas graves com o que o País actualmente se defronta. O bem comum passa pelo respeito total e sagrado da pessoa humana desde o direito à vida, à erradicação da cultura da morte, à escolha na educação dos filhos, à justiça social, à dignificação da família, a uma economia centrada no homem, à igualdade de oportunidades para todos, à prática da subsidariedade. Com a diminuição do Estado na sociedade portuguesa. E na prática dos valores da exigência, da responsabilidade e da ética na forma de estar na política.