Anabela Gradim
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Mangas-de-alpaca e papões
O inquérito nacional ao percurso dos licenciados
do ensino superior português, que abrangeu uma considerável
amostra de 10 mil estudantes, revela conclusões
espantosas, como o facto de, em média, estes demorarem
apenas seis meses a obter o primeiro emprego, e de, ao
fim de 6 anos, a taxa de desemprego destes jovens ser
reduzidíssima, sendo que 75 por cento deles possuem
contratos sem termo nos seus empregos; 22 por cento vínculos
com termo; e a percentagem dos "independentes"
ser meramente residual, 2 por cento.
Estes números, que são reais e aferidos,
e não meras "impressões", vêm
deitar por terra a campanha miserabilista posta recorrentemente
a circular entre a opinião pública portuguesa.
Essa campanha, que conhece versões variadas, converge
nos seguintes pontos: excesso de oferta de ensino superior
em Portugal; desemprego grave e endémico entre
os detentores do grau de licenciado; e excesso de licenciados
entre a população portuguesa, cuja ambição
- todos querem ser "doutores" e ninguém
quer limpar latrinas - é vista de soslaio e como
algo de ilegítimo, obviamente por outros licenciados,
cujo grau certamente remunera.
É certo que no campo do ensino superior podem ser
feitos ajustes entre a oferta e a procura, no sentido
de tentar, quando possível, adequar ambos. Agora
atenção: é tanto preciso adequar
o ensino ao mercado de trabalho, como o mercado ao ensino
- e isso foi, precisamente, o que não sucedeu nos
últimos anos. Portugal continua a ter um sistema
produtivo assente em baixos salários, mão-de-obra
barata, e fracas qualificações dos seus
profissionais. Ora uma população com maior
formação, é uma população
mais exigente, menos manipulável, e com outras
expectativas. Se isso causa dificuldades, pois já
não se recrutam costureiras nem miúdos de
11 anos para trabalhar no calçado com as facilidades
de antigamente, tanto melhor! É sinal que o País
sempre progrediu alguma coisa.
Há ainda que atender a que, neste campo da "adequabilidade",
a lógica bruta da empregabilidade pura, não
pode vingar. Uma sociedade não vai deixar de estudar,
aprender e ensinar, Filosofia, História, Teologia,
Arte ou Direito só porque no momento a empregabilidade
desses cursos é reduzida. Nem só de pão
vive o homem, como nem só de PIB vivem as civilizações.
Os números do inquérito em apreço
é que são francamente animadores, e se a
eles juntarmos outros já conhecidos: que Portugal
tem, e terá por muito mais tempo, a mais baixa
taxa de licenciados entre os países europeus, mas,
também, que a comparar com esses países
este é o local onde a posse de um diploma de ensino
superior mais "remunera" os seus detentores
comparativamente a quem não o possui, a mitologia
do "país de doutores sem emprego" não
só cai por terra como se revela perigosa e fascizante.
É doentio, e não tem explicação,
que um País que ainda luta com atrasos graves e
estruturais, cuja população detém
níveis de formação inferiores aos
dos congéneres europeus, e cuja produtividade é,
também, e consequentemente, mais baixa, desenvolva
uma imagem mítica de si como já tendo formação
a mais, reservando, nesse folclore, pragas quase tão
más como as sete que assolaram o Egipto a quem
persiste ainda em obtê-la.
Há problemas na Educação em Portugal?
Certamente. Muitíssimos mesmo. Mas mais do lado
da qualidade e da excelência do que da quantidade.
Porque, de facto, não consigo imaginar que uma
determinada dose de educação, uma quantidade
desse bem, possa alguma vez ser demasiada entre uma população.
E só uma costela salazarista, bafienta e manga-de-alpaca
de quem se compraz em apagada e vil tristeza pode explicar
que haja quem imagine o contrário.
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