Simin Rostami
Uma iraniana com sotaque beirão
Simin nasceu em
Xiraz, no sul do Irão. Uma cidade turística,
de clima ameno, semelhante ao de Portugal, país
onde já vive há 14 anos.
Na sua expressão afável o que mais se
destaca é o olhar caloroso e determinado.
Tal como Xérazade, heroína dos contos
das mil e uma noites, procura de forma astuciosa a solução
para os obstáculos que a vida lhe vai colocando
no caminho.
Mãe de três filhos, acompanhou o marido
quando, em 1988, este foi convidado pela UBI para leccionar
Matemática. Aprendeu Português sozinha,
apenas com a ajuda de livros e dicionários. Como
mulher combativa que nunca desiste, aos 47 anos frequenta
o curso de Design e Moda Têxtil na Escola Superior
de Educação de Castelo Branco (ESECB).
Foi em Southampton, Inglaterra, onde frequentou a licenciatura
em "Fashion and Design" que descobriu a paixão
pelo design de moda.
À volta de uma mesa de café, Simin Rostami
conta-nos como saiu do seu país natal, rumo aos
Estados Unidos e, depois de passar por Inglaterra, veio
parar à Covilhã.
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Por Ana Maria
Fonseca e Mariana Morais
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Simin Rostami, depois de passar pelo Irão, pela
América e por Inglaterra, sente-se cada vez mais
beirã
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Urbi@Orbi- Quais foram
as primeiras impressões que teve da Covilhã?
Simin Rostami- De início,
como não conhecia a língua não me
sentia muito bem. Durante um ano estive muito isolada,
não falava com ninguém. Tinha o meu filho
mais novo sempre doente e passava muitas noites acordada.
Foi nessa altura que comecei a aprender português,
sozinha, numa tentativa de vencer o isolamento.
Estava habituada a uma cidade grande onde a vida corria
de maneira muito diferente da Covilhã. Era outro
espaço, outro ritmo. Tinha concluído o curso
de "fashion and design" e preparava-me para
entrar no mundo da moda. A vinda para a Covilhã
interrompeu esse projecto. Passei de profissional de moda
para doméstica.
Mas como os meus filhos se integraram muito bem na sociedade
portuguesa, consegui superar esta situação.
U@O- Disse-nos que aprendeu
português sozinha. como é que foi a aprendizagem
de uma língua tão diferente da sua?
S R- Como eu já sabia
bem inglês, por ter vivido na Inglaterra e nos Estados
Unidos, foi mais fácil para mim começar
a entender a língua portuguesa.
Com a ajuda de dicionários e gramáticas,
lá fui aprendendo, sobretudo porque tinha muita
vontade de perceber o que se passava à minha volta.
Como sou uma pessoa muito comunicativa, sentia necessidade
de conhecer a língua para entender melhor as pessoas
que me rodeavam. Foram longos meses de esforço
e paciência. passei muito tempo em frente ao espelho
para conseguir dizer palavras como "ourivesaria"
ou "especificamente". A minha aprendizagem foi
mais difícil porque o meu marido também
não sabia português.
U@O-Quer dizer que a Simin só
veio para Portugal porque o seu marido foi convidado pela
UBI?
S R-Sim, viemos porque o meu
marido foi convidado para leccionar matemática.
O contrato era de um ano, e já passaram 14!
U@O-É o caso típico em que o marido progride
na carreira e a mulher é forçada a abdicar
da sua?
S R-Sim, se fosse ao contrário
o meu marido não aguentava, voltávamos para
casa.
Quando cheguei, tinha 33 anos, era bonita, vestia-me bem
e estava cheia de esperança. Pensava poder realizar-me
profissionalmente. Mas isso não aconteceu. Nunca
encontrei nada, embora me fartasse de procurar. Há
14 anos que vejo os jornais, e para mim nunca aparece
nada.
U@O-Nestes 14 anos, quais foram
as tentativas que fez?
S R-Para além de estar
inscrita no Instituto de Emprego e Formação
Profissional, frequentei o curso de Português/Inglês
no Instituto Politécnico da Guarda durante três
anos, mas acabei por desistir porque não correspondia
às minhas expectativas. Agora frequento o curso
de Design e Moda Têxtil da ESE de Castelo Branco.
E estou a gostar. Dou-me muito bem tanto com os colegas
como com os professores.
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Mulheres iranianas
O sonho americano e "God bless America"
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Durante os três anos que viveu nos
EUA, Simin conheceu o tipo de vida americano
e os seus valores culturais. A propósito
dos ataques de 11 de Setembro, lembra a
visão que este povo tem sobre o que
se passa fora das fronteiras do seu país.
U@O-
O que pensa do povo americano?
SR-
Um dos primeiros traços que eu
destacaria é a visão estreita
que eles possuem acerca do exterior. Aqui
na Covilhã, por exemplo, uma cidade
relativamente pequena, onde há pouca
população, as pessoas têm
uma visão muito mais vasta do mundo.
Eu não estou contra o povo americano.
O que me parece é que eles vivem
o seu conforto e o "sonho americano"
de tal maneira que o põem acima de
tudo, e pensam que o podem manter a qualquer
preço.
U@O-Acha
que essa ideia é criada pelo Governo,
ou será inerente à cultura
americana?
SR-
Eu dou-lhe um exemplo. Há tempos,
já depois do 11 de Setembro, vi na
TV um programa sobre uma família
americana que assistia pela televisão
a imagens onde, em vários países
árabes, se queimavam bandeiras americanas.
Chocados perante o que viam, interrogavam-se
"Mas porque é que eles fazem
isto? Porque é que queimam a nossa
bandeira? Nós até os temos
ajudado tanto!"
Eu garanto-lhes que o povo americano não
sabe nada do que se passa na vida política
fora do seu país. Inclusivamente,
nada sabem sobre a política externa
dos Estados Unidos.
O que eles sabem é que têm
de ter o seu conforto a qualquer preço.
Desconhecem, por exemplo, que algumas "amizades"
americanas são de alto risco. Quando
aconteceu o célebre "Irãogate",
durante a guerra do Irão com o Iraque,
os Estados Unidos oficialmente apoiavam
o Irão, mas vendiam armas ao Iraque.
Nessa altura, Sadam Husseim era o "amigo
Sadam". Mais tarde zangaram-se e o
"amigo Sadam" passou a ser "Satã".
O mesmo está a acontecer, agora,
com Osama bin Laden.
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Mulheres,
revolução e liberdade
Quando fala do Irão, os olhos
de Simin brilham. Apaixonada pelo seu país, gostaria
de dar a conhecer aos portugueses a cultura iraniana.
No entanto, sente dificuldade em transmitir, através
da escrita, os sentimentos que a riqueza da arte persa,
antigo nome do Irão, lhe despertam. Desde o profeta
Zaratustra, nascido por volta do século VI antes
de Cristo, passando pelo médico e filósofo
Avicena, que viveu no século X, e cuja máxima
" não quero altura de vida, quero largura
de vida", Simin adopta como lema, até ao realizador
do "Sabor da Cereja" Abbas Rostami, a imensa
riqueza da cultura persa é-nos transmitida por
imagens, como se viajássemos num tapete voador,
através do tempo.
Com quase três mil anos de existência, o Irão
é ainda um mistério para a maior parte dos
ocidentais. Mas foi de lá que saíram figuras
do nosso imaginário colectivo. Quem não
conhece a história de Simbad, o marinheiro, a lâmpada
de Aladino, ou as artimanhas de Ali Babá e os quarenta
ladrões?
Tal como Xérazade, Simin tem o condão de
fazer parar o tempo enquanto nos fala do Irão dos
nossos dias.
U@O-No Irão actual, existe
igualdade de direitos entre homens e mulheres?
S R-Depois da revolução
encabeçada pelo ayatollah Khomeyni avançámos
em alguns campos mas retrocedemos noutros. As mulheres
no início não tinham de usar véus,
mas depois, pouco a pouco, começaram a usar novamente
as túnicas em todos os eventos sociais.
As mulheres, hoje em dia, ainda são discriminadas.
Isso é mais visível nos direitos sociais,
na religião e, por exemplo, na escolha das profissões.
Há profissões que continuam a ser quase
exclusivamente masculinas. No desporto, por exemplo, há
muita discriminação. As mulheres que optam
pela prática desportiva são muito censuradas
e treinam em locais separados dos homens.
Por outro lado, hoje em dia, 60 por cento dos jovens que
entram na Universidade
são mulheres. Só na capital, Teerão,
há 370 universidades e escolas superiores. A população
do Irão é extremamente jovem. Num país
com cerca de 70 milhões de habitantes, 45 milhões
têm menos de 25 anos.
U@O-Como é que os jovens
convivem com o apelo do ocidente, por um lado, e o peso
da tradição por outro?
S R-Entre a população
juvenil, os estudantes universitários têm
representado um papel muito activo na recusa daquilo a
que chamam uma "ocidentalização brutal",
imposta aquando da "Renovação do Irão",
no início da década de 70.
U@O-E em relação ao
casamento, a rapariga tem liberdade para escolher o futuro
marido?
S R-Depende essencialmente da
tradição familiar. Há famílias
em que os pais não deixam a rapariga escolher.
A família tem uma grande importância na cultura
iraniana. Os mais velhos são sempre muito respeitados.
É só no seio das festas familiares, por
exemplo, que as mulheres podem dançar.
U@O-As mulheres não podem
dançar em público?
S R-Não é permitido
e, além disso, existem poucas discotecas. As que
há são em locais escondidos e as mulheres
que as frequentam não são bem vistas. Em
casa, em festas de família, ouve-se música
e dança-se, mas não em público.
As mulheres também não cantam como os homens.
Só podem cantar em grupo, em coros. Não
existem cantoras a solo.
U@O-E em relação ao
cinema, sentem que há influência do ocidente?
S R-Após a revolução
a nossa atitude foi deixar de imitar o cinema americano.
Antes os filmes iranianos copiavam o estilo de Hollywood.
Era disso que as pessoas mais gostavam. Agora, o pensamento,
as ideias dos filmes são nossas, baseiam-se na
nossa cultura. Há maior liberdade de criação.
U@O-Também há mulheres cineastas?
S R-Há uma realizadora
chamada Samira Makmalbaf, autora do filme "O Quadro
Preto", vencedor de vários prémios
em festivais internacionais. Este filme foi proibido no
Irão por criticar a falta de atenção
do Governo iraniano à instrução das
populações fronteiriças.
O lugar do Irão
no mundo
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Durante
nove séculos, de 651 a 1501, a Pérsia
esteve debaixo do domínio árabe.
Esse domínio levou à destruição
de grande parte da identidade do povo persa.
A religião fundada por Zaratustra, o masdeísmo,
foi completamente eliminada e a Pérsia
foi forçada a converter-se ao Islão.
Toda a herança cultural foi quase totalmente
destruída. Apenas alguns exemplares de
livros foram salvos, por pessoas que os escondiam,
enterrando-os. Durante este período, todas
as obras foram traduzidas da língua persa
para o árabe. Nem as obras de Avicena escaparam
à massificação árabe.
Simin
Rostami fala com saudade do Irão
moderno e da antiga Pérsia
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O
árabe foi imposto como língua
oficial mas, clandestinamente, a língua
mãe passava de geração
em geração.
Simin recorda este momento histórico
do seu país com profunda mágoa
e revolta.
Teve a sorte de nascer muitos séculos
depois quando o iraniano já era de
novo a língua oficial do seu país.
Mais tarde Simin aprendeu outros idiomas
e conheceu outros países e culturas.
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U@O- Saiu
do Irão há quantos anos e porquê?
SR- Saímos
do Irão há 26 anos. Fomos estudar
para os Estados Unidos e aí vivemos durante
três anos.
U@O-E gostou
de viver nos Estados Unidos?
SR- Gostei.
O que me fascinou mais foi que, há 26 anos
atrás, era já um país muito
avançado tecnologicamente. Recordo que
uma das coisas que me impressionava nesse tempo
era a eficiência dos transportes públicos.
Nunca me esqueço. De três em três
minutos havia um autocarro que transportava os
alunos directamente do campus universitário
para a universidade.
U@O-Depois
desses três anos, o que se seguiu?
SR- Quando
se deu a revolução do ayatollah
Khomeyni, regressámos ao Irão. Mais
tarde saímos de novo, desta vez para a
Inglaterra, onde ficámos cinco anos. Nessa
altura, o meu marido foi convidado para ensinar
Matemática na UBI durante um ano. Viemos
em 1987 e passados 14 anos, ainda cá estamos.
U@O-Qual
é o saldo desta já longa estadia
na Covilhã?
SR- Globalmente,
penso que é positivo. Estou muito satisfeita
com o curso que frequento em Castelo Branco e
cada vez mais integrada na Beira Interior. Sinto-me
próxima de concretizar o sonho de mostrar
a cultura do meu país aos portugueses.
A preparar
um conto em língua portuguesa, esta iraniana
já conhece a Beira Interior como a palma
das suas mãos. Desde o gosto do café
à beleza da neve da Serra da Estrela, gosta
particularmente das ruas antigas da Covilhã
e de ver "as velhotas a apanhar sol nas ombreiras
das portas".
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