Por Sérgio Felizardo
O
ataque sónico-psicadélico dos norte-americanos
Mercury Rev em 1991, aquando da edição
do seminal "Yerself is steam", marcou
eternamente muitos dos que, então, militavam
nas fileiras do indie rock (rótulo que,
à altura, incluía aqueles que hoje
já não contempla e cujos exemplos
vão dos Pixies, aos Pavement, sem esquecer
os Sonic Youth, ou, deste lado do Atlântico,
os Ride ou os My Bloody Valentine, entre tantos
outros). Desses tempos do grupo de Buffalo (Nova
Iorque) guardam-se no ouvido as corridas vertiginosas
de guitarras em chamas, os tapetes hipnóticos
de muralhas de distorção apoteóticas
e, lá no meio, dissimulado, mas suficientemente
presente para não se esquecer, um sentido
único e irrepreensível para a construção
de canções melodiosas, com refrões
cativantes e letras delirantes. Nos anos seguintes,
e em boa verdade até à edição
em 98 do mundial e unanimemente aclamado "Deserter's
Songs", a banda, agora de Jonathan Donahue,
Grasshopper, Dave Fridman e Jeff Mercel (núcleo
duro a que nos dois primeiros discos se juntavam
mais uns poucos, com destaque para o vocalista
Dave Backer), deixou que o lado sónico
perdesse espaço, para ganhar uma atitude
mais arty, mas não menos psicadélica
("Boces" e "See you on the other
side"). Depois, quando tudo se julgava perdido
devido ao fracasso comercial do terceiro lançamento,
os Mercury Rev concentram-se naquilo que, afinal,
estava lá desde o inicio: as canções.
E é isso que voltam a fazer em "All
is dream". Orquestrações de
sonho, em ambiente "estranho mundo de Jack",
convivem com coros celestiais e melodias quase
infantis, que, no entanto, não dispensam
crescendos gloriosos de guitarras ou pianos electrizantes
sacados aos blues.. O psicadelismo, esse, continua
lá, desta vez vem é disfarçado
de pacote de rebuçados "pr'ó
menino e pr'á menina".