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Legislativas a duas vozes
Não restam grandes dúvidas que as próximas
eleições legislativas representarão
um importante barómetro das atitudes políticas
dos portugueses, mas serão igualmente importantes
como auscultadoras do funcionamento interno da máquina
democrática. Pelo que o período actual deixa
antever, a bipolarização dos resultados
poderá ser extrema e revelar em definitivo um hiato
entre a clivagem de esquerda (representada pelo PS) e
a clivagem de direita (representada pelo PSD). Se tivermos
em conta a exposição interna que o PP e
a CDU têm conhecido e o crescimento da incerteza
sobre os resultados finais, o cenário tenderá
certamente para uma das maiores bipolarizações
já verificadas em Portugal. A possível contracção
da atracção partidária tem obviamente
como consequência a redução do pluralismo
ou mesmo a supressão dos partidos menos representados,
como poderá ser o caso do BE. Se puxarmos os cobertores
para o centro ao dormirmos, obviamente que fazemos subir
as franjas, ou mesmo descobrir o(a) parceiro(a).
As consequências para os sistemas políticos
da presença desta bipolarização são
conhecidas e coincidem frequentemente (como no caso português)
com o crescimento da abstenção eleitoral.
Contrariamente à dialética conflito-integração
(divisão-associação-organização)
que marcaria idealmente a representação
das clivagens sociais, apresenta-se-nos um cenário
de mera atracção da chamada simpatia partidária.
São os partidos quem define a agenda política
e são eles quem produz os quadros de ideias, na
forma de propostas - nós pensaremos por si, você
opta - ao bom estilo do voluntarismo de acção
funcionalista. Somos voluntários face a um leque
de escolhas, não face a um leque de opções
políticas emancipadas e democraticamente produzidas.
Na análise das questões políticas
e em particular da relação de representação,
referem-se frequentemente os chamados catch all people's
parties, isto é, os partidos apanha-tudo. Caracterizam-se
pelo seu discurso vago e técnico procurando, dentro
do possível, produzir simpatia junto do maior número
possível de clivagens sociais e ideológicas.
Tal não significa, no entanto, a presença
de uma crise no interior das ideologias, mas antes uma
perspectivação relativista das ideias, como
diria Karl Mannheim ( que sustenta que o marxismo é
a ideologia do Século XIX). Continuamos encerrados
no interior de uma dicotomia ideológica histórica
e socialmente incoerente, cuja consequência, entre
outras, é a própria bipolarização
partidária.
Os partidos do chamado bloco-central (central porque maioritário),
chamaram a si a dicotomia esquerda direita, isto numa
sociedade crescentemente fragmentada e desmultiplicadora
das clivagens sociais. O modelo ideológico proveniente
da sociedade industrial e que reproduzia a dicotomia classista
mantém-se, ainda que a sua coerência do ponto
de vista social e político sejam amplamente discutíveis.
O PS passa a representar uma esquerda assente nos direitos
sociais, na intervenção social do Estado
e na parceria; o PSD sustenta fundamentalmente os princípios
neo-liberais - a liderança do mercado, a iniciativa
privada e um papel mais regulador que interventor por
parte do Estado. O primeiro, vê-se a braços
com a necessidade de crescimento da acumulação
para a sustentação financeira do Estado
Providência, o segundo com a insustentabilidade
de medidas liberais num dos países mais pobres
da Europa e face ao crescimento descontrolado dos focos
de exclusão social. São estas as propostas
e será fundamentalmente entre elas que as massas
deverão optar, por mais opostas que sejam e mesmo
se o ideal fosse uma conjugação entre elas.
A bipolarização serve como plataforma político-ideológica
das ideias de esquerda e de direita e contribui para a
dissolução de quadros ideológicos
alternativos. Por outro lado, a necessária generalização
do discurso para se adaptar às grandes questões
deixa de parte as pequenas questões, quer provenientes
da esquerda, quer da direita. Vivemos um período
de incerteza relativamente à identidade a produzir,
marcado pelos "momentos" , pelos 11's de Setembro,
pelos 25's de Abril, pela notícia de abertura do
"telejornal", mais do que pela existência
de um corpo de ideias coerente com a totalidade. Por isso
é tão difícil nos sentirmos identificados
com a totalidade, a maioria ou o que seja. A crise das
simpatias partidárias tem como paralelo as crises
das máquinas partidárias, a instabilidade
e a questionabilidade dos líderes. A simultaneidade
entre a mão de ferro da oligarquia (que Mitchels
diz ser o risco da partidocracia) e o crescimento da apatia
política representa um desenquadramento entre o
vivido e o discursado, entre o pragmatismo e a projecção
ou, como diria Pareto, um enorme fosso entre os resíduos
das massas e as derivações produzidas racionalmente
pelas elites.
A questão resumir-se-á, nos próximos
dias, a uma luta de gladiadores onde o mais importante
será a definição do vencedor e do
vencido. Este é o outro sinónimo de uma
crise de legitimidade que afecta tanto os governantes,
quanto os opositores. O que está em questão
é, fundamentalmente, a definição
do vencedor e não de um parlamento que reflicta
a pluralidade de interesses colectivos, de modos de pensar
de agir e de sentir colectivamente organizados e socialmente
coerentes.
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