José Geraldes

Continuar Assis


O encontro histórico de Assis de 24 Janeiro último é demasiado importante para ser esquecido nas torrentes de informação que, diariamente, nos inundam. A reunião de três centenas de representantes das principais religiões do mundo numa jornada de reflexão e oração pela paz terá, com certeza, uma influência maior do que possamos julgar à primeira vista.
Ver os chefes religiosos do Budismo, do Cristianismo, do Confucionismo, do Hinduísmo, do Islão, do Judaísmo e das Religiões Tradicionais Africanas assumirem, publicamente, um compromisso pela paz e contra o terrorismo, dá ao mundo uma nova esperança na construção do seu futuro. João Paulo II realizou, com esta iniciativa, um gesto profético cujo alcance vai muito para além dos tempos imediatos. Iniciativa que não deixará de marcar a agenda das reuniões internacionais em ordem ao estabelecimento de uma paz duradoura.
O texto do compromisso, verdadeira "magna carta" da educação para a paz, traduz um programa de acção comparável, sem qualquer exagero, à Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. A parte final do compromisso resume, de forma lapidar, esse programa de acção: "Nunca mais a violência, nunca mais a guerra, nunca mais o terrorismo. Em nome de Deus, todas as religiões tragam à terra justiça e paz, perdão e vida, amor". A introdução lembra como um pórtico de entrada: Para construir a paz, é necessário amar o próximo, respeitando a regra de ouro: "Faz aos outros aquilo que quererias que te fizessem a ti mesmo". Segue-se, depois, a condenação de "todo o recurso à violência e à guerra em nome de Deus ou religião" e o "fazer tudo o que é possível para eliminar as causas do terrorismo."
A educação para uma convivência pacífica e solidária entre pessoas de etnias, culturas e religiões diferentes é o passo seguinte que culmina na "cultura de diálogo" no sentido do crescimento da compreensão e da confiança entre indivíduos e povos. Os seus fundamentos assentam na identidade cultural e no confronto com as diversidades dos outros e no direito de cada pessoa humana viver uma existência digna.
A purificação da memória abarca o perdão mútuo dos erros e preconceitos do passado e do presente. A acção a promover tende para um apoio num esforço comum " para ultrapassarmos o egoísmo e a arrogância, o ódio e a violência e para aprender do passado que a paz sem a justiça não é verdadeira paz". Esta ideia é sublinhada com veemência: "A paz e a justiça são inseparáveis. A paz na justiça é a única via em que a humanidade pode caminhar para um futuro de esperança".
E não se vislumbra outro caminho para que a Humanidade possa aceder à paz. Os responsáveis presentes em Assis manifestam plena consciência do facto.
Ao comprometerem-se a "serem a voz de quem não tem voz" e ao reafirmarem o princípio de que "ninguém é feliz sozinho", os chefes religiosos estabelecem uma opção que tem como força centrífuga a solidariedade.
Agora impõe-se continuar Assis. Na tradução para a vida deste compromisso, um guia para todos os homens de boa-vontade. Depois das palavras, a acção. Que é cada vez mais urgente.