O historial do "Notícias da Covilhã"

O "Notícias da Covilhã", nasceu com o nome de "Democracia", o que logo aqui denunciava os seus propósitos. Estar na linha da frente, no combate contra os ataques que a república de inspiração maçónica e jacobina lhe moveram durante os primeiros vinte anos da sua existência.

Depois mudou para um nome mais adequado à circunstância local e geográfica, "Notícias da Covilhã", precisamente para servir a Igreja e difundir a mensagem cristã. Principalmente na cidade mais populosa da diocese e com maiores problemas. Era uma cidade constituída por operários, os quais eram alvo de movimentos, cujas ideologias atacavam a Igreja. Como jornal discursivo, tencionava difundir-se também por toda esta região da Beira Baixa.

O jornal teve vários directores, alguns leigos, mas a maioria foram sacerdotes. Eu fui o que desempenhou as funções de director durante o maior período de tempo, 25 anos.
Quando assumi a direcção do jornal ainda havia uma secção de tipografia, mas havia ainda impressão em "offset", e mais tarde nos últimos anos da minha direcção foram introduzidos os computadores.
Hoje o "Notícias da Covilhã", está equipado com as mais modernas máquinas de impressão. E ultimamente sob a direcção do meu sucessor, José Geraldes, licenciado em Comunicação Social e docente na UBI, foi dotado de um novo visual que é muito mais bonito e o torna mais agradável.

O jornal, durante a minha direcção, esteve sempre nas linhas da frente em tudo quanto dizia respeito ao desenvolvimento sócio-económico e cultural da região. Comprovo com muita satisfação que continua a trabalhar sobre os mesmos parâmetros. Durante a minha direcção uma das mais duras batalhas travadas foi a defesa da modernização da indústria dos lanifícios. O que não foi conseguido mercê da falta de gestores qualificados e de um apoio governamental escasso. Muitos me chamaram de profeta, ao ter anunciado a crise dos lanifícios, quando defendia a qualidade destes. Um parque de máquinas anacrónico e a abertura das fronteiras vieram confirmar o pior.





"Humanismo Ateu, o enlouquecimento das ideias"

Na sua biografia, Mendes Fernandes recorda cronologicamente os seus 60 anos de sacerdócio. Um dos momentos a que dá mais destaque, é a sua passagem pelo Seminário do Fundão. Aí viveu a sua adolescência e descobriu a sua vocação. Colega de Vergílio Ferreira, o autor de "Manhã Submersa", este padre natural da vila da Soalheira, perto de Castelo Branco, discorda completamente com as descrições da vida no seminário, presentes naquela obra. Mais propriamente o que se refere à educação rígida, e aos métodos de trabalho ali vigentes.
Fala também sobre outros autores polémicos, os quais romperam com os ensinamentos de Roma. José Saramago, não passa pois de um criador de dramas fundamentados num "humanismo ateu", conferindo alguma fama e sucesso, mas também um enlouquecimento dos homens.

U@O -Vergílio Ferreira foi seu colega no Seminário do Fundão. O escritor de Melo retira da passagem por aquela instituição, o cenário para a sua obra "Manhã Submersa". No entanto, a sua experiência parece ter sido bastante diferente, mostrando uma profunda discordância com Ferreira. O que pensa de todo este assunto?

M F - Como digo, ele faz uma espécie de caricatura a respeito do ambiente e disciplina que vigoravam naquele tempo, no Seminário do Fundão.
A disciplina ajudou a criar vontades fortes. Segundo Santo Agostinho, "o homem será o que for, por uma vontade forte e determinada". Dali saíram com grande amor ao trabalho, à disciplina, ao estudo, e assim se explica que muitos alunos do Seminário do Fundão, cá fora, alcandoraram-se a lugares de responsabilidade na vida social e política do País.
Ele tem páginas de antologia que são de uma beleza literária extraordinária, mas foi bastante vergonhoso e caricatural a respeito da educação e da disciplina que então se ministrava no Seminário do Fundão.

U@O - E Saramago, como vê este escritor e a sua contradição com a Igreja?

M F - O Saramago que eu admiro como escritor, embora seja um escritor mais para ser ouvido do que para ser lido, devido às páginas sem pontos nem vírgulas, nunca podia, por exemplo, ter escrito num jornal católico porque não partilhava, nem partilha, o ideário do Humanismo Cristão.
Os livros dele fazem-me lembrar um famoso livro de Henry Durubac, "O Drama do Humanismo Ateu". Ele é um criador destes dramas. Nos séculos XVIII e XIX, era uma certa moda ser-se ateu. Um intelectual teria pelo menos de ser de esquerda, agnóstico e ateu. De forma a se tornar famoso e frequentar certos círculos literários. O contrário é que seria verdadeiramente honesto e digno, merecedor da aceitação e respeito da comunidade.






Percurso de António mendes Pinto

Sacerdote, natural da Soalheira, nasceu a 17 de Dezembro de 1917. Em 1929 ingressa no Seminário da Guarda, onde conclui o Curso de Teologia em 1940.
Exerceu funções de prefeito e professor no Seminário da Guarda até 1950.
Frequentou a Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde se doutorou em Direito Canónico.
No seu regresso a Portugal, trabalhou como Defensor do Vínculo e Promotor da Justiça no Tribunal Diocesano.
Em Dezembro de 1963, assumiu a direcção do Centro Cultural e Social, e a direcção do semanário diocesano "Notícias da Covilhã".
Nomeado Cónego e director Emérito do Centro Cultural e Social da Covilhã e Arcipreste Emérito da Covilhã.



Entrevista a António Mendes Fernandes
"Os jornalistas estão sempre atrás dos acontecimentos"

Durante 25 anos desempenhou as funções de director de um dos mais prestigiados jornais regionais. Licenciado em Teologia e doutorado pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, em Direito Canónico, António Mendes Fernandes nunca estudou Jornalismo. A sua longa e constante participação em jornais, revistas e outras publicações, conferiram-lhe a experiência necessária para desempenhar um cargo "imposto" pelas circunstâncias da vida e da diocese da Guarda.


Por Eduardo Alves


A Igreja e o sacerdócio nunca foram pretexto para António Mendes Fernandes deixar de dizer aquilo que pensava, conciliando harmoniosamente o que entende serem as bases do jornalismo, a mensagem cristã, e o serviço desta em relação ao Homem.Autor de vários livros, dos quais se destaca a sua tese de doutoramento, "A Educação em Portugal", que se debruça sobre um assunto ainda hoje delicado, tendo sido publicada em plena ditadura salazarista.
Todos estes contributos em prol da comunicação social, conferiram-lhe um estatuto bastante particular e uma opinião altamente credenciada que é frequentemente tida em conta nos muitos congressos da Imprensa Católica, em que participa.
Aos 85 anos de idade, o cónego Mendes Fernandes, orgulha-se de ter sido um lutador pela causa do Ensino. Primeiro pela implantação do secundário na cidade da Covilhã, e posteriormente como um dos responsáveis pelo Instituto Universitário da Beira Interior, actual Universidade da Beira Interior. É também com algum regozijo que fala sobre o "Notícias da Covilhã" e sobre a função deste numa região tão desfavorecida.
O discurso, esse, flui pausadamente, de forma a filtrar todas as ideias e expressões que vão surgindo após cada pergunta. Sempre com o Jornalismo como tema principal, percorre a sua evolução, o aparecimento de novos meios de comunicação e o seu impacto na vida do homem. Revela também como é possível a convivência dos ideais cristãos com os meios de comunicação social.


O uso dos pin's identificativos da hierarquia académica é obrigatório a partir deste ano

Mendes Fernandes - Em certa forma foi-me "imposta". Pois eu não tinha qualquer tipo de preparação na área do jornalismo, embora já escrevesse alguma coisa para o jornal "A Guarda", tendo sido aí a minha iniciação na imprensa. Escrevia semanalmente um apontamento com o título de, "À Ligeira". Apontamento esse que versava sobretudo sobre factos da Igreja e alguns acontecimentos da sociedade daquele tempo. Fazia uma leitura cristã desses factos, tirando deles algumas conclusões. Tinha também uma outra secção denominada "Migalhas Apologéticas". Ainda na Guarda, fui chefe de redacção da revista "Horizonte" a qual teve um certo impacto a nível nacional, chegando a atingir uns 15 mil exemplares, o que era bastante para a época. Não tinha nenhum curso, mas tinha jeito para escrever.
Devido a todo este percurso, o senhor Bispo escolheu-me para vir dirigir o Centro Cultural, e também o Notícias da Covilhã. Vim para aqui sem nunca ter feito um curso, mas contava já com uma grande experiência.

U@O - O Cristianismo revolucionou o mundo com a sua mensagem, esta que não é apenas para ser divulgada junto das elites, mas sim junto de toda a humanidade. Os muitos meios de comunicação, jornais, rádios, televisões, de cariz católico, servem sobretudo para difundir esta mensagem, ou têm outra função?

M F- De facto, o Cristianismo é essencialmente, mensagem. Cristo disse aos apóstolos "Ide por todo o mundo e evangelizai, pregai". Portanto, o Cristianismo na sua essência é comunicação. Cristo é o Verbo, a Palavra. Palavra essa que foi a boa notícia. E já que estamos na temática do jornalismo, digo que a maior e melhor notícia que já surgiu no mundo, foi precisamente, o nascimento de Jesus. E portanto, a Igreja tem de ser essencialmente a notícia desse grande acontecimento.
Modificar as mentalidades para um pensamento correcto é um dos trabalhos mais difíceis da nossa sociedade, exigindo persistência, porque as coisas não se modificam por decreto. Tem de se ir martelando sempre e focando os diversos aspectos e a verdade, isso é que é muito importante. O papel do jornal deve ser sempre este: O de levar o leitor a pensar rectamente, o que depois se transmite numa maneira de viver diferente. A mensagem cristã, toda ela responde às grandes interrogações do Homem, a todas a perguntas existenciais. A Igreja é a palavra, tem por isso o direito e o dever de utilizar todos estes meios para comunicar a sua mensagem.

U@O- Enquanto director do "Notícias da Covilhã", qual a sua preocupação principal, a cidade ou a Igreja?

M F - Tinha precisamente essas duas preocupações, unindo-as no sentido de criar uma recta opinião pública. Isso é conseguido com uma leitura cristã dos acontecimentos. Anunciando a mensagem e denunciando o que se opunha à mensagem.
Assim tinha a preocupação de ajudar a resolver os problemas da cidade, dentro da óptica do Humanismo Cristão. Em tudo o que se relacionava e relaciona a com a defesa da cidade e a solução dos seus problemas, o jornal estava e está sempre na primeira linha.

U@O - A linha editorial de um jornal católico, não poderá influenciar a opinião dos profissionais que nele trabalham?

M F - Todo o jornal tem um Estatuto Editorial, nesse editorial tem de definir as linhas programáticas de toda a sua actividade e de toda a comunicação. Ora, falando, por exemplo, no estatuto do "Notícias da Covilhã", ele tem como primeiro objectivo difundir e defender a mensagem cristã e através dessa difusão, criar uma recta opinião pública a respeito de todos os problemas da sociedade. O grande objectivo do "Notícias da Covilhã" é levar os seus leitores a pensar bem.
Existe aquela célebre frase, "a ideia está sempre no princípio de tudo", e as ideias é que revolucionam o mundo. Os profissionais que trabalham num jornal católico, uma vez que entram para o quadro deste têm o dever de aceitar o seu estatuto editorial e tentar orientar a sua acção dentro das normas por ele apresentadas, julgo que isso não é uma imposição.
Todos os alunos de Comunicação Social, mais tarde ou mais cedo, apercebem-se da importância das suas funções. Os jornalistas têm uma grande responsabilidade na sociedade, porque são os construtores das ideias, são o princípio das acções, os jornalistas estão sempre atrás dos acontecimentos. Ao fim ao cabo, são os fabricadores dos factos, de tudo quanto acontece na sociedade. Isto devido às ideias difundidas pelos comunicadores, pelos jornalistas. É necessário que compreendam o objectivo da publicação onde trabalham, e escolham desde princípio aquela que mais se adequar à sua linha de pensamento.

U@O - Qual a sua opinião sobre os grandes grupos económicos, que gerem financeiramente a comunicação social? Podem estes, e em especial os seus responsáveis, influenciar a imparcialidade dos jornalistas?

M F - É uma questão importantíssima. Como se sabe, por força destes meios, o mundo encolheu, tornámo-nos a "Aldeia Global". O fenómeno da globalização é um facto irreversível.
Uma vez que estamos chegados a esta globalização planetária, os que estão à frente destes grupos têm uma responsabilidade acrescida, uma ética de responsabilidade de comunicadores. Eu, por aquilo que escrevo e transmito, posso ajudar a transformar e a corrigir o que está mal, mas para tanto é preciso que tenha uma mentalidade ajustada e sujeita a um verdadeiro humanismo, para que possa através da mensagem que escrevo ajudar a servir o homem e todos os homens. Os profissionais devem de estar libertos de todas as pressões económicas. Ao existirem pressões, o jornalista pode falsear a sua missão, pode comprometer deontologicamente a missão de servidor da verdade, não estando pois ao serviço da humanidade que todos desejamos.
O que acontece hoje no mundo tem de ser descrito verdadeiramente pelos comunicadores. Sou a favor de uma globalização ao serviço do homem, que tenha um rosto humano, do homem todo e de todos os homens.

U@O - A TVI foi um projecto fundamentalmente católico, como vê o seu começo e a sua actual situação? É a favor da criação de outros canais?

M F - A TVI começou com um engano. Os seus princípios e o seu "editorial", conseguiram iludir muitos cristãos, a breve trecho esses valores iniciais, enunciados pelo Papa João XXIII, "verdade, justiça, amor solidário e liberdade", não tardaram a cair na crise, nas malhas da procura incessante de audiências, desviando-se dos seus objectivos fundamentais.
Existem já outros canais, como o brasileiro "Canção Nova", em transmissão na televisão por cabo. Este é inclusivamente direccionado pelo bispo de Leiria, o qual não conseguiu a concordância da Conferência Episcopal Portuguesa, para se assumir como o canal católico português. O que conduziu a esta divergência, foi a forma como o canal se apresenta, para o povo brasileiro e para a sua fé, não para a cultura dos portugueses e a sua forma de viver a religião católica.

U@O - Nos dias que correm, a comunicação conhece cada vez mais formas, mas também, cada vez mais se fala no desaparecimento da Imprensa escrita. Faz sentido, neste caso, o investimento pessoal no jornalismo?

M F - Eu tenho impressão que apesar de todos estes meios modernos de comunicação, como é a rádio, a televisão, a Internet, a Imprensa escrita terá sempre o seu lugar. Porque vai para as mãos do leitor e este medita sobre aquilo que se escreveu, faz um comentário tendo nas suas mãos a vida que corre, que fluí e pode guardá-la. Enquanto que a rádio, é um som que desaparece, a televisão é uma imagem que também passa, mas a escrita fica para sempre. Esta é a razão porque a Imprensa escrita terá sempre o seu lugar. Jamais será ultrapassada pelos outros meios de comunicação. Estes são mais rápidos, mas também mais impessoais. A folha permanece.

U@O - Como vê a dualidade Jornalismo e liberdade de expressão na ditadura e na democracia?

M F - Este é um tema interessante, polémico e sempre actual.
Todas as ditaduras são um muro, um obstáculo intransponível à cultura e aos jornalistas que se vêem naturalmente limitados na expressão e na concretização natural da sua vocação. O contrário se dá em regimes democráticos. Aqui os leitores são mais exigentes porque há maior concorrência, mas é também aqui que só vingam os melhores.
A liberdade tem também os seus perigos. O grande perigo actual, com maior incidência nos jovens, é o de estes estarem mergulhados em toda esta comunicação social que não tem nem apresenta uma massa de valores. Já tenho dito que a televisão que hoje temos é a maior universidade popular do País. A televisão hoje é uma escola de perversão de valores, faltando-lhe sentido crítico, valores e normas de conduta, a educação para a cidadania.

U@O - Quais as características que um bom profissional da comunicação deve reunir?

M F - Deve ser alguém de ideias claras e rectas e que as saiba transmitir com a mesma clareza. Deve também possuir a imprescindível capacidade de fazer uma leitura dos acontecimentos à luz do evangelho.
Uma cultura geral cada vez mais abrangente, estar muito atento aos factos e fenómenos sociais para poder separar o trigo do joio. Saber cada vez mais anunciar o que há de positivo na sociedade, porque infelizmente quase só se anuncia o que é negativo, e depois ter a coragem de denunciar o que está errado, apontando os rumos certos.