Rasganço

de Raquel Freire



"Coimbra, a mais complexa de todas as personagens, conta a história: Eu não sou só uma cidade. Sou uma estufa. Uma reserva natural para estudantes, onde eles vivem em plena liberdade. Sou uma espécie de doce, entre a adolescência e a idade adulta. Mas só para os que puderam estudar. Os melhores. Eles sabem que são uma elite. Uma manhã de Janeiro chegou um homem. Apaixonou-se por mim e pelas minhas mulheres. Tolo, não percebeu que EU não sou para quem quer, mas para quem pode; e que o amor não abre as minhas velhas portas".
Última e mais violenta das cerimónias da praxe coimbrã.
No dia em que o estudante acaba o curso, os amigos arrastam-no para o claustro mais antigo da Universidade. Aí cumprem o selvático ritual de lhe rasgar o traje académico, com os dentes e com as unhas, fugindo depois com a capa. O agora doutor tem então de correr para a recuperar, quase nú, tapado apenas pela pasta, numa grande festa canibalesca.
Rasganço podia ser um policial ambientado no meio universitário, um panfleto contra o absurdo humilhante da praxe, um ataque directo ao snobismo das elites. Não é nada disso e é tudo isso ao mesmo tempo.
Assiste-se à chegada de um desconhecido a Coimbra, que irá mudar a vida de três mulheres muito diferentes, e abalar o poder instituído nesta cidade - a comunidade estudantil. Em toda a primeira parte do filme, desenrola-se o jogo de sedução entre os protagonistas. A segunda parte do filme mostra-nos revolta, desencontros, sangue e toda a beleza idílica de Coimbra se desvanece, pulsando agora ao ritmo frenético dos Ornatos Violetas, das capas e batinas que se rasgam à noite e do calor das noites da Queima.