José Geraldes

O espírito de Assis


O próximo dia 24 de Janeiro vai ser uma data histórica na procura dos novos caminhos para a paz. O encontro dos representantes de todas as Igrejas e religiões do mundo, convocado pelo Papa João Paulo II, para uma oração em comum, tornar-se-á um marco simbólico de referência obrigatória. A razão desta convocação reside no ataque às Torres Gémeas de Nova Iorque.
João Paulo II quer transformar o encontro numa peregrinação-oração marcado pelo jejum. Daí o dia 14 de Dezembro último ter sido dedicado ao jejum, como preparação deste dia.
É notória e importante a prática do jejum. E não só para a saúde física como e sobretudo para o fortalecimento moral. Grandes homens da Grécia Antiga como Pitágoras, Sócrates e Platão jejuavam para purificar os seus corpos e aumentar as energias mentais. Avicena, famoso médico árabe, atribuía ao jejum a cura de doenças prolongadas.
Jesus jejuou 40 dias. E a tradição cristã incorpora o jejum na vivência mais perfeita do cristianismo. O jejum da Quaresma antecede a Páscoa.
O Islão dá igualmente uma importância especial ao jejum durante o Ramadão.
Ao jejum de 14 de Dezembro, sucede agora a peregrinação-oração. Tratas-se de aprofundar o espírito de Assis iniciado com o encontro de 27 de Outubro de 1986. A escolha de Assis tem a ver com a figura de S. Francisco, o santo da fraternidade universal.
O encontro acontece na véspera do encerramento da semana do Oitavário pela Unidade dos Cristãos. Também aqui existe um sinal de caminho para o desaparecimento das divisões entre aqueles que têm a crença comum em Cristo.
Peregrinar é andar caminho e avançar nos projectos para as soluções desejadas. E vencer todos os obstáculos que se deparam. A ida a Assis dos representantes das religiões enquadra-se numa tentativa de fazer pedagogia na educação das consciências na justiça e na paz.
O facto destes representantes rezarem em conjunto pela segunda vez mostra ao mundo que as religiões não querem a guerra nem a favorecem. Mas é paz que todos ambicionam. Nenhum chefe religioso vai a Assis para converter o outro chefe religioso. Mas para assinalar um desejo fundamental do homem que é a construção da paz. E a eliminação do terrorismo.
O gesto do dia 24 de Janeiro chama a atenção dos governos e de todos os homens de boa vontade que a paz é possível. Mas, para a conseguir, importa haver entendimento mútuo e conhecimento recíproco.
O Papa João Paulo II, em momento oportuno, falou de " um apelo pressuroso para encontrar e manter o espírito de Assis como motivo de esperança para o futuro. A realização deste encontro procura igualmente atingir tal objectivo.
Um texto hebraico, em forma de poema, do séc.III, de Pirke Avot, ilumina os grandes desejos do encontro de Assis: "A vida está sempre a murmurar os seus segredos :/ justiça, amor, compaixão,/ a grande união entre a diversidade./ Estamos demasiados ocupados para escutar,/ somos demasiados barulhentos para/ ouvir o que quer que seja/ senão a nossa insensatez./ Sê silencioso. Sê quieto. Ouve e comparece."
A paz passa pelo quotidiano de todos nós.