Estreia dia 28 no Barracão a peça "mais radical" do grupo Aquilo
Teatro de choque

"Bestiário" é um espectáculo sobre a violência como resposta à violência. Episódios recriados a partir de notícias dos acontecimentos que marcam negativamente o mundo. Teatro de choque, na concepção do criador Américo Rodrigues, que coloca em causa os pilares da civilização ocidental. Estreia dia 28.

Por Victor Amaral

 

"Esta é a peça mais radical" do Aquilo Teatro da Guarda, avisa Américo Rodrigues autor e encenador de "Bestiário", espectáculo com estreia no próximo dia 28 no Armazém de Todas as Culturas, no Barracão. Trata-se de um espectáculo "sem esperança", de provocação sob o ponto de vista estético e formal, onde o espectador acabará por ser surpreendido com a sua própria consciência, que hoje parece indiferente perante a "irracionalidade da violência". É esta realidade, atestada pela história da própria civilização, que o espectáculo quer mostrar, sem moralidades, sem a consensual divisão do mundo entre os bons e os maus. Sem um final feliz. Mostra, antes, o cinismo a que raros seres humanos conseguem escapar. Nessa medida, "é um espectáculo politicamente incorrecto, um acerto de contas com o mundo".
O "Bestiário, reforça Américo Rodrigues, "coloca questões que as pessoas não gostam de colocar a si próprias". Pode antecipar-se que a peça, representada por vinte actores - na sua maioria em estreia absoluta - é uma espécie de alegoria ao mundo, na sua desagregação. Uma grande casa desarrumada, inundada de lixo, de vísceras, de despojos, de um colectivo de mães que choram a morte dos filhos destroçados pelas bombas - sendo elas próprias a colocá-las - de mortos de todas as guerras, genocídios e atentados que voltam por sede de vingança; e, de repente, um banho da Rainha de Inglaterra com o seu pato de estimação (de borracha!) transformado num acontecimento mediático.

"Um murro no estômago"

Estes são apenas alguns dos ingredientes do espectáculo concebido através de "um processo de recriação", a partir de inúmeras notícias recortadas de jornais sobre os actuais tumultos do mundo, dos atentados da ETA passando pelo 11 de Setembro e consequente guerra no Afeganistão, entre outros. É uma "realaboração ao nível simbólico", diz o autor de "Bestiário", que resultaram num guião, numa colecção de episódios sobre essa agressividade latente de um mundo aparentemente sem esperança, do uso arbitrário da violência como resposta à violência, longe do que sonharam para ele, por exemplo, Jesus Cristo ou Gandi. Haverá saída? Desiluda-se quem pense encontrar a resposta no dia 28 ou nos dias seguintes até 3 de Fevereiro, no Barracão.
Há personagens positivas que num segundo são o terror em pessoa, em ambiente de mudanças em vertigem e surpresas a cada passo; uma espécie de viagem pela devastação e degradação da espécie humana que "questiona os pilares da nossa civilização ocidental", sublinha o autor.
Mas a mensagem, faz notar, pode ser igualmente percebida ao nível das "guerras" que se passam ao nosso lado, ombro a ombro com o semelhante que tão depressa se considera como despreza a troca de jogos de interesses.
Aproveitando a terra como material dramatúrgico - o que já fizera na sua última produção "Até o Anjo é da Guarda", dedicada à figura de Alberto Dinis da Fonseca - Américo Rodrigues propõe um espectáculo que é "um murro no estômago". Pela ausência de texto, a não ser uma única frase de uma personagem suicida no final, pela inovadora proposta musical, executada ao vivo por João Louro e Luís Andrade, pela oportuna projecção das profecias de Gonçalo Anes, dito "Bandarra", o famoso sapateiro de Trancoso. A que se juntam, não menos especial, os figurinos concebidos por Miguel Rainha, luz de António Freixo e o contributo, em tempo de formação, de Regina Goerger (dança butô) e Romulus Neagu (dança contemporânea).
Por tudo isto, Américo Rodrigues crê que esta produção possa "ser um marco" na já longa história do grupo da Guarda.