António Fidalgo

A glória nos campos


Natal, tempo de paz e de glória, ou melhor, de glória e de paz. O que os anjos cantam nos campos de Belém é: Gloria in excelsis Deo et in terra pax hominibus bonae voluntatis. De paz fala-se muito, mas pouco de glória. Sem a glória, porém, a paz não é a mesma anunciada pelos anjos. Falemos então de glória e da paz a ela associada. A glória proclamada pelos anjos aos pastores é a glória de Deus. É a glória do Natal, de um Deus feito menino, nascido num curral, de gente humilde, envolto em panos. Tão diferente esta glória de todas as outras glórias! Aqui não há batalhas, vitórias, troféus, cortejos triunfais pelas grandes vias das cidades. O que há é o silêncio dos campos e a proximidade dos pastores. As glórias do mundo só podem estar nas cidades, só aí há gente, muita gente, para aplaudir, saltar e gritar. A glória de Deus está nos campos. Porque a glória do Natal é diferente de todas as glórias, é diferente a paz do Natal de todas as outras pazes. Há paz e há pazes. Existem pazes podres, existem as pazes dos cemitérios, existiu a paz romana nesses tempos de Belém, e existe hoje a paz americana. Para qualquer paz basta haver uma ausência de guerras e conflitos. Mas tal ausência pode ser imposta, ditada, violenta. Pode chamar-se paz a um tempo de ditadura. Não é essa a paz do Natal. A paz do Natal é a paz que advém aos homens da glória de um Deus recém-nascido numa manjedoira. Não é uma paz imposta, não é uma ausência de guerra aberta, mas é a maravilha de um tal milagre, o sossego de espírito de quem contempla o sagrado nascimento. De paz fala-se muito, mesmo de paz do Natal, mas de um Natal comercial, de consumo. É a paz do corrupio de compras, de prendas, de roupas novas, de gastos do décimo terceiro mês. É a paz que advém da glória comercial do Pai-Natal, com as barbas brancas, o fatinho de vermelho vivo, o trenó puxado por renas. E sobretudo com as prendas, as muitas prendas, que traz e em que se desfaz. A paz dada pelo consumo está associada à glória do Natal nas cidades, da iluminação do Natal nas ruas comerciais, da música que ecoa por hipermercados e centros comerciais. A glória do nascimento do Menino continua nos campos, lá onde outrora o anjo apareceu aos pastores a dar a Boa-Nova: "Não temais, pois vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo. Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias, Senhor. Isto vos servirá para o identificardes: encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoira." Lá na humildade do curral, nos campos onde pastores apascentavam rebanhos, veremos a glória de Deus e acharemos a paz.