Tradição natalícia já não é o que era
Madeiro de Belmonte pode morrer

João Alves
NC/Urbi et Orbi

 

Ir roubar uns troncos e umas raízes de madeira para formar uma grande fogueira - o madeiro - "para aquecer o Menino Jesus" na noite de consoada, é em Belmonte uma tradição com muitas anos de vida.
Todos os anos, os mancebos que vão à inspecção militar juntam-se algumas semanas antes para, normalmente aos sábados e domingos, irem às quintas, aos baldios ou à mata recolher raízes ou troncos de árvores, de modo a formar um grande madeiro, junto ao Castelo da vila. Na noite de consoada, chova ou faça vento, seja noite amena ou fria, depois do jantar, aquele local é de reunião entre amigos e famílias, que ali convivem e se aquecem até à hora da missa do Galo. Segundo o historiador Manuel Marques, este ritual está ligado a uma tradição pré-cristã ligada ao fogo, mas que depois foi cristianizada, dando origem ao actual madeiro. Antigamente, as pessoas iam às sortes roubar a madeira e a fogueira fazia-se frente à Igreja Matriz. Em 1940, passou para o local onde actualmente se faz, junto ao Castelo. À noite, o madeiro arde e para aquecer as hostes, sempre surjem uns copos de vinho. Os mancebos, esses, são constantemente "picados" pelos mais velhos para atearem a fogueira com pneus e óleo queimado. "Isto é que está um madeiro? Nunca cá houve um tão pequeno", espicaçam os populares, de modo a que os mais jovens nunca deixem a fogueira apagar-se. Noite dentro começam a surgir os primeiros cânticos. À cabeça surge "Belmonte, lindo Belmonte, terra da minha afeição, quem me dera poder dar-te alma, vida e coração", o hino da terra de Pedro Álvares Cabral. Mas logo se seguem outras cantigas como "Ó meu Menino Jesus, ó meu Menino tão belo, logo vieste nascer na noite do caramelo". Tocam os sinos, é tempo de ir à missa do galo. Alguns rapazes ficam a guardar a fogueira, outros vão embora. Quando regressam, já muitas pessoas foram para casa.
No entanto, tal como em muitas outras localidades, os usos e costumes começam a perder-se. A tradição deixa de ser o que era. Este ano, depois de muitas dúvidas, em Belmonte sempre se faz o madeiro. Porém, a muito custo. É que, ou por serem poucos ou por não terem vontade de o realizar, os mancebos deste ano não se organizaram devidamente para que a festa continuasse. Valeu a vontade do Agrupamento de Escuteiros e de alguns populares para que a tradição se mantivesse. No último sábado, 8, lá foram eles buscar a lenha, que se juntou a alguma que sobrou do ano passado. E, seguramente, segunda-feira, 24, voltará a haver madeiro. Já não é este ano o primeiro sinal de que o costume pode morrer. Todos os anos se deseja que "ao menos para o ano, se não for melhor, que seja como este". É que, para a população, "a tradição não pode morrer".