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Da Crise Asiática
José Tavares
Dos três economistas a quem foi atribuído
este ano o prémio Nobel da economia, Joseph Stiglitz
é apontado como o mais merecedor. É um cientista
prolífico, cobrindo áreas que vão
da economia pública à economia financeira
e ao desenvolvimento económico. Mas Stiglitz também
se notabilizou como crítico apaixonado de instituições
como o Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial, no qual até há pouco era economista
chefe. As críticas de Stiglitz à falta de
democraticidade e à incapacidade destas instituições
levaram mesmo ao seu afastamento do Banco Mundial. Particularmente
acutilantes foram as suas observações à
forma como o FMI interveio na crise asiática de
1997. Stiglitz juntou a sua voz à de economistas
como Paul Krugman, Jeffrey Sachs e Dani Rodrik.
O que levou estes economistas preeminentes a acrescentarem
ao seu prestígio a crítica acerba às
instituições financeiras mais influentes?
Que crise foi esta?
Sobrevivem duas visões acerca da origem da crise
asiática. Uma vê-a como uma alteração
abrupta de expectativas: os investidores internacionais
retiraram capitais, gerando uma crise de confiança
e a associada instabilidade financeira. Apesar do desempenho
macroeconómico dos países deixar algo a
desejar, foi o pânico, quiçá reforçado
pela actuação do FMI, que criou a crise.
A segunda visão vê a crise como um reflexo
das deficiências estruturais e falhas de política
económica nos países asiáticos. Uma
vez iniciada, o mercado teve uma reacção
exagerada mas a crise já estava lá. Qualquer
que seja a sua origem, o que moldou a crise foi a reacção
dos investidores.
Quais seriam as falhas de política económica?
Antes de mais garantias públicas a projectos privados
de baixa rentabilidade. Os dados demonstram quão
baixa era a rendibilidade dos projectos na Ásia
de Leste a partir de meados dos anos 90, muitas vezes
abaixo do custo do capital. Estas garantias governamentais
e a queda da taxa de juros nos países industializados
mantiveram o capital a fluir para a Ásia. A regulação
bancária era deficiente e os próprios bancos
internacionais parecem ter relaxado padrões habituais
de cálculo de risco. O endividamento a curto prazo
em moeda estrangeira, fez o resto.
A intervenção do FMI foi demasiado intrusiva,
exigindo reformas estruturais em áreas que iam
da supervisão bancária aos mercados laborais
e à melhoria da transparência do governo.
No caso mais grave, a Indonésia, permitiu-se que
bancos, insolventes por certo, fechassem com perdas graves
para os depositantes e sem explicações claras
do que aconteceria aos bancos que permaneciam abertos.
O pânico resultante levou a uma corrida a todos
os bancos, solventes ou não, que é fácilmente
compreendida se fossem as nossas poupanças que
estivessem em causa. Como notou Jeffrey Sachs, há
uma macroeconomia de manutenção, uma de
convalescença e uma de trauma. Podem-se fechar
bancos e apenas recomendar um pouco de exercício
ao sistema nos dois primeiros casos. No terceiro, medidas
drásticas como fechar bancos apenas aumentam o
risco de eliminar o doente com a doença. Despoleta-se
uma autêntica "grab race" dos credores,
locais ou internacionais, para ver quem se liberta mais
cedo do risco.
Para Stiglitz a actuação do FMI antes e
durante a crise asiática é um exemplo de
como a falta de informação leva uma instituição
multilateral a resultados devastadores. Já "nos
anos 90 os países do Leste asiático liberalizaram
os seus mercados financeiros não porque precisavam
de atrair mais fundos (.) mas por pressão internacional,
incluindo do Tesouro norte-americano". "Estas
mudanças provocaram o afluxo de movimentos de capital
de curto prazo (...) que esperam retornos no dia, na semana
ou no mês seguintes, em oposição a
um investimento de longo prazo ". O que se passou
quando o capital se decidiu retirar foi uma recessão
violentíssima.
Dani Rodrik, que se tem dedicado a temas de economia política,
é também céptico quanto aos efeitos
da internacionalização. Para Rodrik os governos
precisam de reduzir os riscos associados aos movimentos
de capitais. Mas tal só será possível
com uma convergência de normas, de instituições
e de rendimentos. Há que reconhecer os vários
modelos de capitalismo, tantos quanto os países
capitalistas e ainda mais a sua capacidade para se adaptarem
e sobreviverem. Fizeram-no com a introdução
da educação pública e da segurança
social e continuarão a fazê-lo com novos
esquemas auto-reguladores.
Jeffrey Sachs, macroeconomista extraordinaire e crítico
acérrimo da intervenção do FMI nas
economias em desenvolvimento, vê a resposta à
crise na alteração do consenso de Washington
e dos próprios FMI e do Banco Mundial. Como ironiza
Sachs "o FMI previu 3 por cento de crescimento para
a Indonésia em 1998 e o país decresceu 15
por cento. Em economia, uma regra de decisão sensata
é que se o modelo dá um erro de previsão
superior a 10 por cento, talvez seja melhor procurar outro
modelo." A falta de informação nos
mercados é reforcada pela actuação
das instituições internacionais, o pânico
alastra e "coisas más acontecem a países
bons". Os EUA são os principais interessados
num mundo mais estável e na reforma das instituições
pois no futuro vão concerteza ser menos influentes
nesse mundo. Aproveitem agora, que têm peso, para
criar um sistema mais justo.
O que o sistema financeiro internacional necessita é
de uma forma inteligente de regularizar as dívidas
entre contratantes quando a alcança a magnitude
da recente crise asiática. Reconhecer a necessidade
de reescalonar dívidas é parte da solução.
Assim, em caso de crise todos perdem alguma coisa, bancos
- locais e internacionais - governos e contribuintes,
e todos podem adoptar de antemão comportamentos
mais racionais. Se houver um sistema claro de atribuição
dessas perdas a"grab race" atenua-se. Pior,
até aqui várias estabilizações
foram feitasà custa dos contribuintes, no que Krugman
chama um jogo de "Caras eu ganho, coroa os contribuintes
perdem."
Em suma, a crise foi grave mas não foi uma crise
do capitalismo. O sistema financeiro internacional sofrerá
reformas duradouras. Como Keynes afirmou em 1933, em plena
grande depressão e acerca do sistema internacional:
"Não é inteligente, Não é
belo. Não é justo. Não é virtuoso.
E não pôe a mesa". Crises com a magnitude
da recente crise asiática levam a saltos na ciência
e nas prescrições de politica económica.
Foi assim com a grande depressão, que deu à
luz o Keynesianismo, ou com a crise do petróleo,
que levou à sua queda. Desta vez a crise foi na
periferia do mundo industrial mas se o sistema financeiro
não "puser a mesa" podem esperar-se inovações
na ciência da economia.
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