FOGO
Edmundo Cordeiro
Para Élie Faure, historiador da arte, o mundo cristão,
com as suas aparências e os seus símbolos,
emerge das ruínas do mundo antigo. Não chega
a esta conclusão pelas equivalências iconográficas
que se podem identificar entre a estatuária grega
e a estatuária cristã francesa, mas por
estas estatuárias evoluírem segundo o mesmo
"espírito das formas". Que "espírito"
é este?
"O espírito das formas
é uno. Circula no interior delas como o fogo central
que se revolve no centro dos planetas e determina a altura
e o perfil das suas montanhas consoante o grau de resistência
e a constituição do solo. As imagens dos
deuses são tão instáveis quanto possível,
mesmo que se trate de deuses de um mesmo povo, precisamente
porque elas representam, no mundo das aparências,
a circulação invisível de uma força
permanente e decidida a quebrar ou a deformar os obstáculos,
que percorre as suas artérias, anima os seus nervos,
solda e fortalece os seus ossos desde a origem do homem.
É a permanência desta força que se
trata de encontrar e salientar sob a diversidade e a variabilidade
dos símbolos que a dissimulam." [Élie
Faure, Histoire de l'art. L'esprit des formes I, Gallimard/Folio
Essais, Paris, 1991, p. 19.]
Para dar conta dessa unidade do espírito
das formas, Élie Faure sugere e apresenta um paralelismo
entre a estatuária grega e a estatuária
cristã em França, um paralelismo de ritmo
na evolução técnica da escultura
conjuntamente com a evolução social e psicológica
dos sentimentos e dos costumes. (É o seu ofício
de historiador.) Esse ritmo evolui (e é esse género
de evolução que significa a unidade do espírito
das formas) inicialmente por uma passagem do organismo
não diferenciado e global a um organismo cujas
funções se vão diferenciando pouco
a pouco - diríamos que é a fase da forma
bruta ; começa depois a haver um equilíbrio,
tornando solidárias essas diferenças orgânicas
- diríamos que é a fase da forma espiritualizada
; mas depois separam-se demasiado umas das outras, perdendo
de vista as suas relações para entrarem
no caos - diríamos que é a fase da forma
caótica, da forma que tende para o caos e para
a deformação
A imagem desta unidade é
a desse "fogo central" que determina o perfil
das montanhas, primeiro de uma maneira bruta, tão
bruta como a irrupção de lava que destrói
a configuração dessas montanhas, que lhes
dá novo carácter, mas permanecendo ainda
inabitáveis e estéreis (forma bruta); mas
depois tais configurações adquirem estabilidade,
ganham coerência, relacionam-se harmoniosamente
umas com as outras (forma espiritualizada) ; para, finalmente,
sob o influxo desse "fogo central", extremarem
as suas arestas e desfigurarem-se (forma caótica)
E nova comunhão sucederá
Como no amor:
"Uma comunhão [uma certa forma estável
de organização da sociedade e dos sentimentos]
que sucede a uma outra no instinto difuso da espécie
assemelha-se a um amor que sucede a um outro amor no coração
do indivíduo."
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