José Geraldes
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Dia de finados, dia da vida
O dia de finados leva
necessariamente ao pensamento da morte. Não em
termos de um fim total, pois, sob o ponto de vista cristão,
"a vida não acaba, apenas se transforma".
A crença na ressureição é
a base da fé católica.
A celebração dos mortos está presente
em todas as religiões e culturas. No Antigo Testamento
sobretudo no Segundo Livro dos Macabeus, o facto aparece
largamente referenciado com alusão à ressureição
que Cristo veio confirmar.
Na Igreja Católica, a comemoração
dos defuntos com um dia especial inicia-se no séc.
XI. A ideia veio do abade Odilo da Abadia de Cluny, na
Borgonha, em França. O historiador Raoul Glaber
conta como o abade Odilo se inspirou para a celebração
deste dia.
Um mercador de Marselha encontrou um eremita no Norte
de África que elogiou o mosteiro de Cluny pelo
"número de almas que libertava das garras
do demónio". Odilo teve então a ideia
de celebrar uma missa anual por intenção
de todos os fiéis mortos. A aplicação
desta ideia era o corolário normal da oração
dos monges pela salvação das almas.
É esta confiança na oração
pelos mortos, como sinal de fé, que passa a reunir
os cristãos nas celebrações deste
dia logo a seguir à festa de Todos os Santos.
Acomemoração dos fiéis defuntos vem
assim na sequência lógica do dia de Todos
os Santos. Trata-se de um acto de solidariedade com todos
os que já partiram e a que ninguém pode
ficar indiferente. Crentes e não crentes deslocam-se
aos cemitérios para homenagear os seus entes queridos
desaparecidos do nosso convívio.
Para alguns, o acto fica marcado por um gesto afectivo,
para outros a fé diz que há uma vida futura
baseada na ressureição. O rito da lembrança
dos mortos aviva a saudade dos acontecimentos que marcaram
a sua existência terrena.
A amizade torna-se mais sólida com os que já
partiram embora tal ideia pareça contraditória.
A escritora Marguerite Yourcenar bem o expressou em palavras
significativas : "Só se possuem eternamente
os amigos de quem nos separamos na morte". E os mortos
não desaparecem da nossa memória. Permanecem
mais vivos do que nunca.
O dia 2 de Novembro de cada ano transporta-nos assim para
uma apoximação dos que nos são queridos.
E muitas vezes com o remorso de os não termos amado
em vida como eles mereciam e como deveria ser natural.
Se a realidade da morte é indissociável
do dia dos defuntos, é preciso coragem para a aceitar
como uma condição da nossa existência.
Sem dramatismos nem angústias mas como a grande
certeza da vida. Daí a grandeza de sermos homens.
O filósofo francês J. Leclerq escreve a ppropósito
que "um homem não é verdadeiramente
adulto enquanto não for capaz de olhar a morte
cara à cara".
Claro, todos temos medo da morte. E, quem disser o contrário,
não fala verdade ou é inconsciente.
O problema que se nos põe, diz respeito ao sentido
morte. Ou seja a morte é uma realidade irrecusável
para se viver a vida. Qual a nossa razão de viver,
eis a pergunta à qual nenhum ser humano pode fugir.
Ao contrário do que escreveu Sartre, não
somos seres para a morte mas para a vida. E é à
vida que devemos dar um sentido.
Por isso ,dos nossos mortos. Mas também numa interrogação
sobre a forma como vivemos a vida.
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