SONHO
Edmundo Cordeiro
"Uma ideia - é
muito simples. Não é um conceito, não
é filosofia. Mesmo que de qualquer ideia possamos
talvez tirar um conceito. Penso em Minnelli, que tem uma
ideia extraordinária sobre o sonho. Ela é
muito simples - nós podemos dizê-la -, e
está enleada num processo cinematográfico
que é a própria obra de Minnelli. A grande
ideia de Minnelli sobre o sonho é que ele diz respeito
antes de mais àqueles que não sonham. Por
que é que isso lhes diz respeito? Porque, desde
que há sonho do outro, há perigo. O sonho
das pessoas é sempre um sonho devorador que ameaça
engolir-nos. Que os outros sonhem - é muito perigoso.
O sonho é uma terrível vontade de poder.
Cada um de nós é mais ou menos vítima
do sonho dos outros. Mesmo quando é a mais graciosa
rapariguinha, é uma devoradora terrível,
não pela sua alma, mas pelos seus sonhos. Desconfiem
do sonho do outro, porque se são apanhados no sonho
do outro, estão feitos." [Gilles Deleuze,
"Qu'est-ce que l'acte de création?",
in TRAFIC, 27, Automne 1998.]
Esta é uma ideia de sonho.
Não é abstracta, como "o" sonho.
É o sonho enquanto sonho do outro que nos prende.
Há alguém que sonha por nós ou que
sonha connosco. E isso não é fácil.
Mais do que ser constrangedor, é uma limitação
fundamental à nossa capacidade de agir na exacta
medida em que sejamos apanhados por esse sonho. Como é
que somos apanhados? Muitas vezes não nos damos
conta. Normalmente somos apanhados quando agimos em função
desse sonho, para corresponder a esse sonho, que não
é o nosso e que nos prende à necessidade
de não decepcionar, de fazer conforme, etc…
Os sonhos dos outros dizem-nos respeito não só
POR podermos ser apanhados por eles, mas igualmente PARA
não cairmos neles.
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