"Guerra colonial -
uma história por contar", a exposição
itinerante do Museu da Guerra Colonial, abriu ao público
no passado dia 5 de Outubro na Biblioteca Municipal da Covilhã.
"A exposição encarna toda a vivência
do combatente", salienta João Cruz Azevedo,
Presidente do Núcleo da Covilhã da Liga dos
Combatentes.
Tarde de chuva. Biblioteca Municipal da Covilhã.
Dez pessoas junto ao bar contíguo à sala de
exposições. Ex-combatentes conversam ou tomam
café. Alguns trouxeram a esposa, um filho ou simplesmente
um amigo. "Vim à exposição, porque
o meu pai esteve na Guiné. Procuro conhecer a luta
e o sofrimento dos ex-combatentes", salienta Ricardo
Prata, 17 anos, estudante na Escola Secundária Campos
Melo e natural da Covilhã.
Afinam-se os últimos preparativos. Às 15 horas,
Maria do Rosário Pinto da Rocha, vereadora da cultura
e educação da Câmara da Covilhã,
declara aberta a exposição. Atento, o público
aguarda os discursos da praxe. Estão já 25
pessoas.
"Estórias de guerra"
Anquises
Carvalho, 53 anos, natural de Braga, funcionário
administrativo da empresa têxtil Manuel Gonçalves,
é Presidente da Direcção da Associação
dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA). "Fui
ferido no dia 8 de Maio de 1971 às 16h30. Rebentei
com uma mina anti-pessoal. Tive oito fracturas nos membros
inferiores e fiquei cego de uma vista. Passado 24 horas
veio um helicóptero buscar-me", conta.
A camaradagem entre os soldados era uma prática
diária lembra o presidente da ADFA. "Os soldados
olhavam para mim e choravam. Colocavam moedas no meu dólman
(casaco militar) para o caso de eu precisar. Isso ficou-me
na memória", recorda emocionado.
"A minha missão era elevar o moral das tropas,
acompanhar o dia-a-dia do soldado português e sensibilizar
os nativos para a causa portuguesa", sublinha Rui
Nunes Proença Delgado, 59 anos, Professor de História
na Escola Secundária Frei Heitor Pinto e natural
da Coutada, Covilhã. O historiador explica, com
precisão, os pormenores da sua carreira militar.
"Estive em Moçambique, na região de
Cabo Delgado, onde integrei uma equipa do Estado Maior
das Forças Armadas, com o objectivo de fazer acção
psicológica junto da etnia maconde, principais
nativos que combatiam Portugal", refere.
"Guerra e stress"
"Vivem sozinhos, suando frio, noite após
noite, encerrando em si o drama de uma guerra que calam
e só com muitas dificuldades falam dela",
pode ler-se numa brochura da exposição.
O ex-combatente sofre na memória o som dos morteiros,
a imagem da morte do amigo de armas, o medo do ataque
do inimigo.
O stress pós-traumático é a doença
típica do ex-combatente. Em maior ou menor grau,
todos sofrem um pouco. "O Estado deveria conceder
uma maior assistência médica a todos os ex-combatentes,
e em especial aos deficientes das Forças Armadas",
refere António Rodrigues Antunes, 55 anos, ex-combatente
em Angola, enfermeiro no Hospital da Cova da Beira e natural
de Zebreira, Idanha-a-Nova.
O enfermeiro Antunes conviveu de perto com os ex-combatentes
de Angola. Assistiu durante quase 28 meses à chegada
dos traumatizados da frente de combate. "Prestei
serviço na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital
Militar de Luanda. Convivi de perto com o drama da morte.
Prestei assistência aos ferimentos físicos
e psíquicos dos meus camaradas", salienta.
Lembra a divisa do Hospital Militar de Luanda que o Estado
deveria cumprir: "Salvar da morte os que à
pátria dão a vida".
Até Deus não está seguro
Na cerimónia de abertura, o presidente do Núcleo
da Liga dos Combatentes lembrou o horror da guerra com
a frase do P. António Vieira: "Até
Deus nos templos e nos sacrários não está
seguro". Elogiou a boa vontade do Professor José
Manuel Lages. E a disponibilidade da ADFA em colaborar
com a Liga.
Maria do Rosário Pinto da Rocha colocou uma coroa
de flores junto ao placard dos mortos na guerra colonial
e assinou o livro de visitas da exposição.
"A Câmara da Covilhã sempre apoiará
a Liga. Relembrar o sofrimento da guerra colonial é
um dever de cidadania", assegura.
Para a História ficam os números: 30 mil
soldados feridos e dez mil mortos. Do lado dos movimentos
independentistas, segundo números não oficiais:
45 mil mortos, entre guerrilheiros e população
civil.
A exposição "Guerra colonial - uma
história por contar" é uma das mostras
itinerantes do Museu da Guerra Colonial sediado em Vila
Nova de Famalicão. Em 1998, celebrou-se o protocolo
para a criação do que viria a ser o Museu
da Guerra Colonial, entre o Externato Infante D. Henrique
em Ruílhe, Braga, a ADFA e a Câmara Municipal
de Vila Nova de Famalicão.
Tudo começou em 1989. José Manuel Lages,
docente de Antropologia no Externato, dirigiu 30 alunos
num inquérito sobre a guerra colonial. Desde 1992,
o Externato Infante D. Henrique colabora com a ADFA. O
projecto pretende "abrir o diário de guerra
do ex-combatente: ordenar e recolher 'estórias
de vida' sobre a guerra colonial", explica José
Manuel Lages. O Museu da Guerra Colonial encontra-se sediado
na Central de Transportes de Vila Nova de Famalicão.
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