CORPO


Edmundo Cordeiro


A parte invisível do nosso corpo, a parte que usamos quando fazemos a experiência do cinema, corpo desconhecido que temos apenas atrás da cabeça.

Uma passagem de L'HOMME ORDINAIRE DU CINÉMA, de Jean Louis Schefer (1980), Cahiers du cinéma-Gallimard, Paris, 1997, pp.10-11:

"Aludo a essa parte de nós mesmos cuja natividade é como que colocada nas nossas mãos para nosso uso e à nossa discrição. Essa parte que, não tendo reflexo sobre nós, se entrega sem esperança a transformar a sua própria obscuridade em MUNDO VISÍVEL.

O único saber aqui suposto é somente o do USO da nossa memória: ela não nos ensina ultimamente outra coisa senão a manipulação do tempo como imagem, tornada possível por uma "subtracção" do nosso corpo actual.

Não é a uma teoria que isto responde, é unicamente a uma experiência paradoxal, quer dizer, a uma d u r é e aporística (a relação de um objecto de pensamento àquilo que, nesse mesmo acto, se recusa ao pensamento); é pois a experiência que é ela própria uma fonte de aporias. A partir daí, as coisas não relevam mais de um sentido escondido, mas da relação difícil, vacilante, entre as coisas visíveis e um segredo que seria somente o seu (ele é, pois, nosso, tal como a fotografia do conjunto do nosso "corpo", sem resolução no visível).

A d u r é e das paixões (o que Kierkegaard chamava o carácter do homem alternativo) não é, pois, medido senão pela remanência das imagens - e não pela sua própria d u r é e cinematográfica - pelo seu poder de remanência, de iteração, de recorrência: muito próximo do que define a transformação de uma imagem no seu duplo mnésico, quer dizer, nessa condição de vestígio ou de salvaguarda que seria interior a um lento movimento de desaparecimento ou de apagamento dos fenómenos."

Nota: D U R É E, duração: temop, tempo próprio, tempo intensivo - ou tempo contínuo e heterogéneo, na definição de Bergson.