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Mágoa e livre arbítrio
Anabela Gradim
Foi há precisamente uma semana que o mundo acordou
estupefacto para os atentados - numa escala nunca antes
imaginada - cometidos em solo americano. Para além
do horror que todos puderam presenciar, os atentados que
se dirigiram a símbolos do ocidente desfiguraram,
irremediavelmente, uma das cidades mais bonitas do mundo.
Os comentadores habituais, com manifesta tendência
para saber tudo, já sabiam que tal acção
era "inevitável" e "uma questão
de tempo". As pessoas normais ficaram em choque,
primeiro porque perceberam que o mundo está a ficar
um local perigoso, e que não estão seguras;
depois porque desconheciam que fosse possível a
estes "estranhos" "outros" albergarem
nos seus corações tanto ódio e tanta
violência. Como desconheciam que perante o espectáculo
do massacre inútil de milhares inocentes se celebraria
nas ruas da Palestina. E como podiam desconhecê-lo?
A verdade é que enquanto se multiplicarem os deserdados,
enquanto houver povos inteiros que já nada têm
a perder, será difícil libertarmo-nos das
imagens de 11 de Setembro. Tudo já foi dito, também,
sobre a questão do médio oriente, e as "culpas"
do xadrez político no Afeganistão - um país
que está em guerra praticamente desde o século
XIX. Se, por razões políticas e estratégicas,
é, como dizem, impossível deixar de encetar
uma acção punitiva, que ela seja limitada.
E que em vez de uma guerra por tempo indeterminado, se
perceba que o único projecto que, por tempo indeterminado,
é viável e plausível, é a
construção da paz.
Exceptuando alguns insectos, o homem, logo seguido pelos
primatas superiores, é um dos bichos mais ferozes
e agressivos da criação. E é, de
certa forma, extraordinário que tenha conseguido
chegar até aqui sem pegar fogo ao mundo. A sua
ferocidade e crueldade tornam-no num bicho que nunca esteve
no topo da minha lista de predilecções.
Mas até isso recentemente mudou, muito por culpa
de um austríaco, que combateu na segunda guerra,
felizmente dela se salvou, e pode prosseguir o resto da
sua vida tornando o mundo, e a sua aldeia na Áustria,
um sítio um pouco melhor. Lorenz é um etologista
com uma paixão e uma empatia imensa por todos os
animais, e explica, no meio de um dos seus belos livros,
que por mais perfeito e maravilhoso que um bicho seja,
a sua perfeição não se compara à
do homem: o animal, perfeito ou não, cumpre o seu
destino, seja ele heróico ou mesquinho. O homem
pode escolher. Essa é a sua tragédia, mas
também a fonte da sua grandeza. E por isso o homem
é o melhor e o mais belo animal da criação.
Bem, sempre achei que a questão do Livre Arbítrio
era uma "tecnicalidade" teológica para
resolver - o que aliás não faz nada bem
- a questão do mal. Mas não é. É
muito mais. É o facto do homem ser capaz, ao mesmo
tempo, do pior e do melhor, e de poder lutar por uma dessas
coisas. Onde isto quando até as palavras falham?
No dia seguinte ao massacre, ainda nem bem refeitos do
choque, um americano de uma mailing list que subscrevo
enviava a seguinte carta aos outros listers:
"Words fail - a great sorrow.
We must mobilize for peace with restraint, honor, courage,
compassion and
conviction.
We must not fail. Duty calls. "
O melhor.
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