QUANTO
Edmundo Cordeiro
As imagens despertam um piloto automático em nós,
o que quer dizer que adormecem, fazem adormecer de um
sono que se confunde com uma degenerescência do
pensamento ou, pelo contrário, fazem pensar, desencadeiam
o pensamento.
Donde, o que caracteriza essencialmente
as imagens é esse piloto automático e não
o representado nas imagens, ou mesmo a relação
do representado com o objecto fora das imagens. Nada a
fazer: se as imagens nos interessam é em primeiro
lugar por nos interessarem enquanto imagens. (Por exemplo,
quanto ao cinema, nada ou muito pouco se diz dele dizendo
que atrai porque conta histórias e que estas seduzem
muita gente - atracção, sedução,
vejam bem - justamente por as histórias poderem
ser "vistas" e não apenas ouvidas ou
lidas, a imagem como um suplemento da palavra. (Se bem
que as técnicas cinematográficas possam
ser consideradas - são-no frequentemente - como
um trabalho sobre a narração e as suas formas.
Mas mesmo assim, não é bem a história,
é o argumento, quer dizer, um plano, argumento
que se cria somente no momento em que o filme passa, na
sala de cinema, englobando o espectador, invadindo o argumento
da sua vida de espectador - "no extremo, uma sala
de cinema é um matadouro", diz Schefer, matadouro
dos argumentos que englobam o espectador como forma humana,
como humanidade, forma humana que responde "à
necessidade ou fundo à espera [en souffrance] de
expressão dos sentimentos", a mais bela definição
de humanidade, tanto quanto me lembro. Para isso é
preciso um plano, quer dizer, um argumento - o termo françês
é scénario, vem dos italianos scenario e
scena, segundo Le Petit Robert. É preciso ir ao
cinema para desfazer a história, ou as histórias
de um cinema sem mundo, os "argumentos" que
fazem do mundo um mau cinema e impedem que o argumento,
este último argumento, ecluda enquanto possibilidade.
As histórias falam muito, nas histórias
fala-se muito, ao passo que o cinema é um trabalho
sobre o que não diz nada, sobre o que não
pode falar - num plano)
Esse - retomando o início
do parêntese maior - é um ponto de vista
anterior à existência do próprio cinema,
ponto de vista segundo o qual toda a imagem vale antes
de mais pelo que apresenta (representa), pelo que tem
nela representado. Ora, a essência do cinema não
é a imagem fixa figurativa, que se poderia subsumir
no representado, mas o auto-movimento da imagem na própria
imagem, e não o movimento ou o auto-movimento do
representado (a história). (Neste sentido, o teatro
ou a dança terão mais que ver com a narração
que o cinema.) O movimento, no cinema, não é
determinado nem pelo representado nem pelo nosso espírito.)
Passemos adiante.
Continuemos com o piloto automático.
Vejamos a famosa fórmula fascista "uma imagem
vale mais que mil palavras" (saída da propaganda
política democrática). Evidentemente, ela
não é verdadeira nem falsa. A questão
é: que piloto automático corresponde a essa
fórmula? Vemos bem que também não
é verdadeiro nem falso o seu aparente oposto: "uma
palavra vale mais que mil imagens". Ora, o que determina
este piloto automático é o valor. Mas não
se trata de um valor abstracto, de um valor ético
(não teria sentido nenhum), mas de um valor medido
por um outro valor: a velocidade. Mas aí é
preciso ver que esta velocidade é uma velocidade
quantitativa. Ela determina o valor. QUANTIDADE. As perguntas
subjacentes à fórmula são: quantos?
Quantos ganhamos? Quantos fazemos? QUANTO? Quanto ganhamos?
E a resposta é: MAIS.
(É um aspecto da questão,
considerando-a mais quanto à sua motivação
que quanto à sua razão - aliás, a
razão dela cabe inteira na motivação.
Se ao "vale mais que" substituirmos a eventualidade
de uma equivalência ou de uma permuta, um "pode
ser", então aí
Será talvez
a apreensão desta eventualidade que, paradoxalmente,
pode fazer erigir um enunciado descritivo de uma prática
motivada a um enunciado de razão, um preceito,
um juízo sintético. Pois.)
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