Numa pequena sala do antigo
Hospital Distrital da Covilhã cerca de 12 crianças
fazem alguns desenhos e pinturas, sob o olhar atento da
professora do 1º ciclo, Fátima Mendes e a auxiliar
pedagógica, Lídia Andrade. Eternas crianças,
pois "a idade biológica não corresponde
à idade mental", explica Fátima Mendes.
Dinis Fonseca, de 17 anos tem dificuldades de aprendizagem.
Há 3 anos ingressou na Associação Cristã
da Mocidade (ACM). Filho de pais carenciados, viu a sua
situação agravar-se quando o pai sofreu um
acidente. A vida traçou-lhe um destino difícil,
mas a sua força de vontade leva-o a superar todos
os obstáculos. Apesar de todas as dificuldades, é
ele quem leva o sustento à sua família demonstrando
que, apesar das diferenças, não vive num mundo
à parte.
Ao ingressar na ACM, Dinis foi submetido a um despiste vocacional
e descobriu assim a sua aptidão para a jardinagem.
Uma tendência que se deve ao facto dos pais serem
agricultores e estarem em contacto permanente com a natureza.
"O que mais gosto é de cortar relva com a máquina",
refere entusiasmado o pequeno Dinis, que se encontra no
pré-profissional desde os 16 anos.
Depois de passar a manhã na jardinagem, Dinis almoça
na cantina da ACM, com o seu grupo de amigos.
À tarde as opções são variadas.
Informática, Desporto, Educação Visual
e Tecnológica são algumas das actividades
que ocupam o Dinis e seus colegas ao longo da semana.
Quinta-feira é um dia muito especial para as crianças
da ACM. Reúnem-se com professores e auxiliares para
elaborarem o jornal de parede que se encontra exposto à
entrada da Instituição. Todas as semanas têm
de estar atentos ao que se passa à sua volta. A televisão
é o meio mais utilizado para a recolha de notícias
que lhes despertaram o interesse ao longo da semana.
O Dinis está a um ano de terminar o seu estágio
profissional. Para Fátima Mendes, "a colocação
no mercado de trabalho pode ser complicada, já que
está na área da jardinagem", mas a força
de vontade que demonstra é um factor que joga a seu
favor.
Paralisias Cerebrais profundas
Trissomia 21 e Paralisia Cerebral são as doenças
mentais que afectam as mais de 70 crianças oriundas,
maioritariamente, da Covilhã, Fundão, Belmonte
e Guarda.
Tratam-se de deficiências que surgem quase sempre
à nascença, embora a Paralisia Cerebral
possa vir a ser diagnosticada mais tarde.
Através de um acompanhamento especial, algumas
crianças conseguem atingir um ponto de estagnação
no evoluir da deficiência, embora também
possa acontecer o inverso. O agravamento da doença
"leva-os mesmo a adquirir uma força quase
sobre-humana", adianta Fátima Mendes.
Os professores do ensino especial encontram inúmeros
problemas para lidar com estas crianças. Mesmo
em casos de deficiências semelhantes surgem reacções
inesperadas.
A pequena Mara é o caso mais grave da valência.
Mas apesar da Paralisia Cerebral profunda que a deixou
quase cega, a Mara consegue vestir-se sozinha e até
bater bolos. Fruto de um processo longo e persistente,
Mara consegue realizar instintivamente certas tarefas:
"Está de tal forma mecanizada, que consegue
fazer coisas por si própria", explica Fátima
Mendes.
"Têm namorados e dão beijinhos"
Ao fim da tarde regressam a casa. Para trás fica
um dia preenchido pelas várias actividades que
passam também pelas vivências directas com
o mundo exterior.
O grande objectivo da ACM é prepará-los
para a realidade, ao invés de lhes criar um mundo
à parte. Para isso têm diversas actividades
extra-curriculares, nomeadamente passeios, visitas de
estudo e intercâmbio com outras escolas.
No contacto com o exterior, as crianças lidam directamente
com o mundo real, onde aprendem a utilizar os transportes
públicos e a atravessar nas passadeiras. "O
melhor é alertá-los para o meio e torná-los
autónomos", afirma Lídia Andrade.
Na maior parte dos casos a escolaridade fica para trás.
As suas capacidades cognitivas permitem-lhes apenas fazer
uma pequena leitura do nome e outras coisas simples.
Estes miúdos são, maioritariamente, carenciados,
quer a nível económico, quer a nível
afectivo, funcionando a Instituição como
uma espécie de refúgio. Aqui superam essencialmente
as carências afectivas. "Eles gostam de quem
os trata bem", justifica José Maria Simões,
professor e coordenador pedagógico.
O contacto permanente entre as crianças acaba por
aproximá-las cada vez mais, ultrapassando as inúmeras
diferenças. "As crianças até
têm namorados e dão beijinhos", confidencia
Lídia Andrade. É o caso do Ricardo, que
depois de terminar o trabalho nas madeiras, espera ansiosamente
pela Liliana, sua namorada.
Sociedade pouco receptiva
A procura de pessoas qualificadas pelo mercado de emprego
leva a que muito do trabalho destas crianças deficientes
seja pouco reconhecido. "A sociedade quer fazer dinheiro
e como eles têm limitações. É
muito difícil aceitá-los", lamenta
Lídia Andrade.
Nélson é uma excepção à
regra. Apesar da Paralisia Cerebral, este jovem é
o exemplo de que uma deficiência não significa
estagnação. Actualmente encontra-se a frequentar
o curso de Informática, em Coimbra, que lhe permitirá
ingressar numa empresa deste ramo.
Como a sociedade não está muito receptiva,
nem todos têm as mesmas oportunidades. Por isso,
a ACM sentiu a necessidade de criar instalações
adequadas, de forma a integrar as crianças e proporcionar-lhes
alguma independência. É o caso do Centro
de Emprego Protegido (CEP) que tem como objectivo a promoção
de estágios nas diversas áreas e a admissão
em emprego protegido.
Neste estabelecimento são colocadas as crianças
que, depois do despiste vocacional, se enquadram nas áreas
de carpintaria, cestaria e têxteis. Devidamente
acompanhadas, as crianças realizam as tarefas como
um trabalhador comum e são igualmente remuneradas.
Este Centro pretende ser uma forma de aproveitar as qualidades
destas crianças, que ganham assim uma maior autonomia.
O ensino regular é outra das opções
a que os pais recorrem frequentemente. Aí são
também acompanhados por um professor do ensino
especial, onde a prioridade é dada à escolarização.
Fátima Mendes, que conhece de perto as duas realidades
refere: "No ensino regular as crianças não
são devidamente preparadas para a vida prática".
As dificuldades são acrescidas, quer para o aluno
que não se consegue integrar, quer para o professor,
que não consegue responder simultaneamente às
necessidades dos seus alunos e da criança com dificuldades
de aprendizagem.
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