António Fidalgo
|
Contenção
Contenção orçamental é o tema do espaço
público português. A despesa pública é
incomportável,
a balança comercial com o exterior é preocupante, a
inflação
há muito que não ia tão alta, o endividamento das
famílias
inspira sérios cuidados.
A solução reside na contenção. É
preciso
poupar mais e gastar menos. Claro como água, mas não menos
difícil.
A dificuldade está em cumprir a contenção numa
época
de fraquíssima contenção. É que
contenção
não se cinge ao dinheiro, mas respeita a mais coisas,
nomeadamente a
atitudes e palavras. Contenção deriva do verbo conter-se.
Ora
o espírito da época é avesso a qualquer tipo de
contenção.
As pessoas não se contêm nas palavras, dizem o que lhes
vêm
à cabeça, e ai de quem as critique por isso.
Ver-se-á nessa
crítica uma censura à livre expressão. Pelo
contrário,
hoje incentiva-se a que se dê vazão a tudo o que vai pela
alma
e pelo corpo. As televisões, os big-brothers e outros programas
que tais,
incentivam a que não haja contenção alguma, a que
se diga
e se faça de imediato, sem quaisquer peias.
Como é de pequenino que se torce o pepino, o mal começa
logo na
infância e nas escolas. As crianças e os jovens são
estimulados
a exprimirem-se a qualquer custo. Dislates e disparates têm a
cobertura
do livre desenvolvimento dos indivíduos. Não se atreva
ninguém
a coagir, a reprimir, o quer que seja da espontaneidade dos novos.
Aí
cai o Carmo e a Trindade. Que muita dessa espontaneidade é
asneira, não
preocupa muito os pedagogos que, na esteira de Rousseau, acham bom tudo
o que
é natural e espontâneo.
O problema é que se confunde contenção com falta de
sinceridade,
espontaneidade com falta de crivos. Ora a civilização
é
refreamento de impulsos, controlo de si mesmo, numa palavra,
contenção.
O Governo faz bem em apelar e obrigar à contenção
de despesas.
Só que aqui como em tudo o resto há que ter a autoridade
ética
necessária. E não parece que quem desde há meia
dúzia
de anos tem gastado à tripa forra tenha agora muita autoridade
para o
fazer. Não tendo aforrado no tempo das vacas gordas, ou seja,
feito a
contenção no tempo próprio, não se pode
pregar contenção
em tempos de vacas magras.
|