Por Carla Loureiro e Mariana Morais


Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada: as duas professoras escrevem textos para crianças há 19 anos

Urbi et Orbi: Como é que surgiu o interesse pela escrita?
Isabel Alçada: Já em pequena gostava muito de escrever. Na instrução primária tive uma professora que também era escritora. Chamava-se Alice Gomes e fazia uma coisa pouco habitual na época: lia em voz alta as histórias que os alunos escreviam na aula. Quando ela lia as minhas eu ficava entusiasmadíssima. Por isso, escrever é uma actividade que desde sempre associei ao prazer. Com o tempo fui treinando mas nunca pensei ser escritora. Só comecei a escrever para publicar já depois de ser professora, para incentivar os meus alunos a ler.

U@O: A parceria com a Ana Maria Magalhães aparece porquê?
I.A.: Fizemos estágio para professoras juntas. Trabalhávamos e preparávamos as aulas em conjunto e entendíamo-nos muitíssimo bem. Um dia, andávamos à procura de textos para os nossos alunos lerem e, como não encontrávamos nada que nos agradasse, ocorreu-nos escrever uma história. Os miúdos gostaram imenso e sentimo-nos encorajadas a continuar. A partir daí escrevemos mais histórias. Assinávamos "Anelalsães" para que os alunos não soubessem que éramos nós as autoras e estivessem mais à vontade para dizerem se tinham gostado ou não. E foi assim que começámos.

U@O: Os livros que escreve são para crianças e jovens. Nunca pensou escrever para adultos?
I.A.: Não! Este projecto é bastante pensado e já dura há 19 anos. A nossa vocação é, por isso, trabalhar para os mais novos. O facto de sermos professoras também contribui para esta nossa atitude.

U@O: Já tem leitores de segunda geração?
I.A.: Já. Alguns lêem os nossos livros aos filhos que ainda são pequeninos. E temos também muitos professores que lêem as nossas histórias aos seus alunos, porque foram nossos leitores.

U@O: Os vossos objectivos enquanto escritoras estão atingidos?
I.A.: Nós sentimos que o nosso objectivo principal de ajudar a criar o gosto pela leitura foi atingido. Tentamos escrever histórias atraentes de forma a que os jovens percorram as páginas com entusiasmo, acabem o livro e sintam vontade de retomar a leitura. Recebemos dezenas e dezenas de cartas e de uma maneira geral sentimos que os leitores "entram" nas nossas histórias. Houve até o caso de um leitor que nos escreveu por causa de uma peripécia do livro "Uma Aventura na Serra da Estrela". Nesta história há uma cena na qual os personagens, a dada altura, são atirados pelos bandidos para dentro de um poço sem água e cheio de silvas. Os nossos heróis não se magoam porque a vegetação lhes amorteceu a queda. Ficam presos e são salvos por um grupo de escuteiros. Estes aproximam-se e perguntam "Quem está aí em baixo?", "Quantos são?" e uma das personagens responde "Somos cinco". Só nessa altura, confessou-nos o leitor, de tal forma vivia a aventura, "é que me apercebi que não éramos seis!".

U@O: Nunca pensou em escrever uma aventura que se passasse toda na Covilhã?
I.A.: No "Aventura na Serra da Estrela", boa parte da história passa-se na Covilhã. Mas é uma hipótese muito interessante. Temos inúmeras propostas para escrever sobre museus, câmaras municipais, palácios... e isso sensibiliza-nos muito porque mostra que as pessoas gostam dos livros que eu e a Ana escrevemos. Sentimos que mais um dos nossos objectivos foi atingido: divulgar aquilo que vale a pena conhecer no nosso País.

U@O: Tem alguma ligação à Serra da Estrela?
I.A.: Durante muitos anos passei lá férias. É uma zona fantástica. Fiz muitos passeios a pé, cheguei a subir ao Cântaro Magro em "alpinismo caseiro". Uma vez dei um mergulho na lagoa do Vale do Rossim, em Janeiro. Estava um dia de sol radioso e a água parecia óptima, mas estava tão fria que pensei que gelava! Passei lá bons momentos com grupos de amigos.

U@O: Como consegue conciliar a actividade de professora, escritora e mãe ?
I.A.: E avó, não se esqueça! (risos). Tento organizar muito bem o tempo. A partir das 8h30 da manhã começo a dar aulas. Dou atenção à minha mãe à hora do almoço e da parte da tarde, escrevo com a Ana Maria Magalhães. Ao fim da tarde visito os meus netos. Depois vou para casa e estou com o meu marido. Aos fins de semana reuno a família toda na minha casa. Isto permite-me compatibilizar o trabalho da escola com a escrita. Claro que tenho prioridades. Se alguém da família precisar absolutamente da minha assistência, então as outras actividades têm que ficar um pouco de lado.

U@O: Ainda consegue ter tempos livres para ocupar?
I.A.: Sim, claro que tenho. Gosto muito de ler. Não concebo a minha vida sem ler. Às vezes estou tão entusiasmada com a leitura que até leio nos sinais de trânsito! Quando há engarrafamentos, claro! Gosto muito de ouvir música..., vou muito a concertos e exposições com o meu marido, faço jardinagem e também gosto de ver televisão.

"Neste momento a televisão repugna-me"

U@O: Já que fala em televisão, qual a sua opinião acerca da adaptação da série "Uma Aventura" para o pequeno ecrã?
I.A.: Acho que foi bem feita. É claro que eu e Ana não fomos directamente responsáveis pela realização, mas lemos e aprovámos os guiões. Também participámos na escolha dos actores. Acho que a série teve imenso sucesso, pois em Outubro do ano passado e até ao Natal repetiu três vezes.
Ali não há violência excessiva, gratuita. Não há "palavrões" nem situações moralmente condenáveis. E, no entanto, foi um sucesso. Isso leva-me a concluir que é possível fazer muito melhor do que a televisão faz. Devia-se evitar a compra de certos programas horríveis, que são tudo menos veiculadores dos valores que queremos transmitir às novas gerações.

U@O: Tem opinião sobre o Big Brother e os realitys shows que actualmente "inundam" as televisões um pouco por toda a Europa?
I.A.: Neste momento a televisão repugna-me a tal ponto que nem vejo. Podem não acreditar, mas nunca vi o BigBrother. O que se está a passar com esse tipo de shows é de tal maneira mau que eu digo aos meus alunos que não vale a pena perdermos tempo a falar deles. As pessoas dão demasiada importância a uma coisa que depressa irá passar.

U@O: Como é que vê a situação do Ensino em Portugal?
I.A.: Tem havido uma evolução positiva, mas ainda há muito por fazer. No
que se refere à rede de bibliotecas escolares devia haver mais investimento, mais
recursos. Também se verifica uma falta de investimento na educação básica na área da
música.

U@O: Sendo a juventude a comunidade de que está mais próxima e que mais ameaçada está, como encara o cenário nacional da toxicodependência?
I.A.: É extremamente inquietante. As estatísticas mostram que o consumo de drogas está a aumentar e a juventude é o alvo principal. Há falta de equipamentos sociais onde os jovens se possam integrar e desenvolver projectos interessantes de ocupação dos tempos livres. A informação existente sobre os riscos da droga não é suficiente, e julgo que é preciso criar condições para que as pessoas não se sintam tentadas.

U@O: Que condições são essas?
I.A.: É muito difícil de dizer, mas acho que tem havido tentativas que não resultaram. É um assunto em que estamos muito bloqueados. Devia haver uma união de esforços que extravazasse as fronteiras de cada país. É preciso que a comunidade internacional esteja mesmo disposta a "dar cabo" dos traficantes. Se raciocinamos só a nível interno, estamos sempre mal.

U@O: É a favor ou contra as salas de chuto?
I.A.
: Tudo o que seja facilitar, na minha opinião, não é muito positivo...

U@O: E quanto à despenalização do consumo das drogas?
I.A.: Sou a favor. Se os drogados tiverem comportamentos que são ilegais, se roubam ou praticam actos que à luz da lei são condenáveis, evidentemente que devem ser penalizados. Mas o facto de se drogarem não é razão suficiente para serem castigados. Sou pela despenalização mas nunca pela liberalização. Porque os países onde se liberaliza a venda de droga tornam-se chamarizes. Em vez de termos menos toxicodependentes, passaríamos a ter mais. Esta questão é muito complicada. Se eu tivesse uma solução bastante congruente dizia-a aqui. Mas duvido que alguém a tenha. De uma coisa tenho a certeza: a droga é a "peste negra" do nosso século.





 
A aventura da escrita


"Se fosse um pássaro gostava de ser gaivota", diz Isabel Alçada soltando uma gargalhada contagiante. Os seus olhos escuros, cheios de vivacidade, transmitem a imagem de uma mulher para quem viver é uma aventura sem limites.
Nasceu em Lisboa em 1950 e desde pequena se sentiu atraída pelo mundo da leitura e da escrita. Fez disso o seu modo de vida.
Aos 51 anos, Isabel Alçada divide o tempo entre dois prazeres: a escrita e o ensino. De manhã lecciona História da Arte na Escola Superior de Educação de Lisboa. Todas as tardes, com Ana Maria Magalhães, dá vida às personagens da colecção "Uma Aventura".
Apesar das suas múltiplas actividades, a escritora consegue arranjar tempo para responder aos convites de escolas e conversar com crianças e jovens. Foi o que aconteceu na tarde de quinta feira, 17 de Maio. Os alunos do quarto ano do primeiro ciclo da Escola nº1 de Algés tiveram o privilégio de conhecer a autora dos seus livros preferidos.
Embora tenha uma vida muito ocupada, Isabel Alçada consegue sempre tempo para estar com a família. Avó de dois netos, uma das coisas que mais gosta de fazer é ler livros de banda desenhada com eles.
Adora viajar e sempre que pode visita Itália, o seu país de eleição. Mulher de gostos simples, confessa ser "muito comilona". Entre os prazeres da mesa, escolhe o queijo da Serra da Estrela. Não sendo tão apreciadora de vinhos como de comida, o sumo de laranja é a sua bebida preferida.
Mozart, Schubert e Bach, para além da música brasileira e do jazz são as paixões musicais de Isabel Alçada, uma mulher para quem escrever é "ultrapassar os limites e fazer coisas diferentes".