Por Cristina Marques e Nélia Sousa


"Sempre tive uma grande inclinação pelas coisas políticas e filosóficas, pelos teóricos da filosofia e pelos teóricos da sociedade".


U@O- Nasceu para a ribalta da política na Beira Interior. O seu percurso académico foi diferente do da sua geração?
José Sócrates - O meu percurso é o percurso típico da minha geração. Fiz o liceu na Covilhã até ao 7º ano, altura em que se deu a Revolução do 25 de Abril. Foi aqui que vivi este período importante, assim como os primeiros anos pós 25 de Abril.
Depois fiz um ano de Serviço Cívico, e posteriormente fui estudar para Coimbra, para a única área de engenharia que existia: a Engenharia Civil.
Ainda pensei ir estudar para a Faculdade de Engenharia do Porto, onde estive inscrito, mas a verdade é que a faculdade estava em greve e o meu pai achou que devia ir para a primeira escola superior que estivesse aberta e que ensinasse engenharia.
Foi então que me inscrevi no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, onde tirei o bacharelato. Só mais tarde concluí a licenciatura.

U@O - Depois da vida académica regressou à Covilhã. Como é que surgiu o gosto pela política?
J.S. - Depois da experiência universitária em Coimbra regressei à Covilhã como engenheiro e trabalhei entre 1982 e 1987 na Câmara Municipal.
A política e o gosto pela política surgiram fundamentalmente por duas razões. Em primeiro lugar sempre tive uma grande inclinação pelas coisas políticas e filosóficas, pelos teóricos da filosofia e pelos teóricos da sociedade. Por outro lado, também porque sou um produto da geração que despertou para a política com o 25 de Abril, e que se envolveu nos vários movimentos associativos: partidos, associativismo universitário. Sou uma consequência disso, desta aprendizagem que todos nós fizemos nos anos posteriores ao 25 de Abril.
Comecei por ser militante da Juventude Social Democrata (JSD), em 1974, e lá permaneci até Novembro de 1975. Só mais tarde entrei no Partido Socialista (PS).

U@O - O que o levou a trocar de partido?
J.S. - Eu não troquei, foi um incidente. Na altura eu era um verdadeiro social democrata, como aliás ainda sou hoje. E mantenho-me fiel a esses ideais do Socialismo Reformista. Por isso, em 74, inscrevi-me logo no primeiro partido com o nome de Social Democrata. Era um dogmático em relação à Social Democracia e achava que esta seria uma boa resposta para as sociedades. Inscrevi-me no PSD juntamente com o meu amigo Jorge Patrão, que é hoje presidente da Região de Turismo da Serra da Estrela e com o Luís Patrão, seu irmão.
Mas, em 1975, percebi que o PSD não era um Partido Social Democrata. O nome não correspondia aos ideais políticos de um partido liberal. Em 1975 tomei consciência disso e fiz um grande acto de dissidência, retirando-me do PSD. Saí no Congresso de Aveiro, altura em que saíram também outras figuras como Mota Pinto.
Na época em que frequentei o Ensino Superior não tinha qualquer filiação partidária, pertencendo apenas ao Movimento Associativo de Coimbra.
Quando regressei à Covilhã inscrevi-me no PS, com o qual já tinha ligações, fundamentalmente através do Jorge e do Luís Patrão.

U@O - Encontrou grandes dificuldades para se afirmar no litoral, já que é um "produto" do interior?
J.S. - Olhe, há ainda uma grande segregação que tem a ver com a origem e com a província. Não há mesma igualdade de oportunidades. Isto quer dizer que as pessoas do interior, para se afirmarem na corte lisboeta têm de ser muito mais talentosas que as pessoas de Lisboa. Muito mais mesmo. Sei que isto pode parecer imodéstia, mas é verdade.
Toda a gente que ocupa lugares de destaque sabe o que se passa até se chegar à afirmação política numa corte muito invejosa, muito ciumenta, muito pequena, também ela própria provinciana. Olha sempre para quem vem, perguntando se ele saberá pisar, se tem modos, se será inteligente e se estará à altura para participar.
Para quem vem do interior a afirmação política é sempre muito difícil, mas isso não acontece apenas na política. Isso vê-se também noutras profissões.

"Estou indissoluvelmente, para o bem e para o mal, ligado à Covilhã. Às vezes para o mal, mas a maior parte das vezes para o bem".

U@O - Apesar de viver em Lisboa, sente ainda uma grande ligação com a Covilhã?
J.S. - Muita ligação. Eu sou um político da Covilhã, um político da província.
Aqui nasci para a política, ou melhor, aqui fiz os meus estudos. Aqui formei o meu carácter e a minha identidade.
Estou indissoluvelmente, para o bem e para o mal, ligado à Covilhã. Às vezes para o mal, mas a maior parte das vezes para o bem.

U@O - E um possível regresso à Covilhã?
J.S. - Agora vivo em Lisboa porque os covilhanenses me elegeram , primeiro como deputado e agora como membro do Governo. Mas a Covilhã...
Sabe, quando me falam em voltar eu não encaro isso como um regresso, pois eu realmente nunca deixei de cá estar. Eu estou sempre aqui, não me sinto de fora.
Sinto-me a fazer um trabalho para o qual fui eleito, fundamentalmente pelos covilhanenses e todos os cidadãos do distrito de Castelo Branco.

U@O - Pensa retirar-se, brevemente, da vida política?
J.S. - Gostaria de me retirar quando algum dos projectos, pelos quais lutei tantas vezes ao longo destes anos, estivessem realizados.
Ficava muito satisfeito no dia em que estiver feita uma ligação de auto-estrada entre Covilhã e Lisboa. Isto agora está claro como a água, já que está previsto para 2003, mas vamos ver. As obras iniciaram-se e agora é só construir.
Ficava muito satisfeito quando estiver instalada a Faculdade de Medicina, e ainda com a instalação do gás natural, que tanto reclamámos na condição da indústria do interior ter acesso às fontes de energia mais baratas e mais limpas.
Ficava ainda satisfeito quando a linha da Beira Baixa estiver melhorada e renovada, assim com electrificada até Castelo Branco.
Isto agora são só mais dois anos, resta esperar que o desenvolvimento e a requalificação urbana da Covilhã e Castelo Branco sejam postas em prática através do Programa Polis.

U@O - A Covilhã não é um grande centro urbano. Aconselhava a UBI a algum dos seus filhos?
J.S. - Sim, porque não? Isto aqui já é um grande centro urbano. No entanto, temos que criar aquilo que faz hoje fundamentalmente a atracção dos centros do saber.
Fixar aqui livros, acho que é a grande aposta que a UBI deve ter. Não deve apostar apenas nos espaços, embora estes também sejam importantes. No meu ponto de vista deve apostar ainda em professores de renome. Muitas vezes a solução é pagar melhor para fixar aqui boas cabeças.







 
Programa Pólis na Covilhã

U@O - Como surgiu a ideia do Programa Polis?
J.S. - É uma ideia que já tinha na cabeça há muito tempo. Talvez há mais de quatro anos. A sua colocação em prática era apenas uma questão de oportunidade. Agora, como sou ministro do Ambiente e Ordenamento do Território, falei com o primeiro ministro e disse-lhe que era o momento certo para lançar uma política para as cidades.

U@O - Nesta primeira fase foram contempladas 18 cidades. Que motivos estão na origem desta escolha?
J.S. - Estas 18 cidades são o sistema nervoso do nosso sistema urbano. São estas cidades que podem servir de exemplo ao resto do País, daí a escolha ter recaído nelas. Para aqueles que criticam o critério que esteve na base de escolha destas cidades, eu diria que o ministério do Ambiente as escolheu em função daquilo que representam no sistema urbano nacional. Mas também escolheu as que já tinham projectos e uma grande vontade de avançar. Não se podem fazer projectos desta ambição, sem que já existam ideias na cidade, uma vontade e disponibilidade para as obras.

U@O- Como vê o projecto Polis, particularmente, na Covilhã?
J.S. - Vejo este projecto com muita satisfação. O projecto Polis vive muito obcecado com a execução, já que visa desenvolver uma política de cidades no nosso País.
O projecto aqui na Covilhã é muito interessante O facto de termos algumas obras em andamento dá-lhe muito impulso, permitindo-nos olhar para tudo com muita confiança.
Estou convencido que na Covilhã se encontra um dos projectos mais bonitos e ambiciosos, porque não só vai aumentar a área verde, mas também recuperar uma área significativa da parte histórica e natural da cidade. O grande objectivo é criar uma nova área urbana e devolver aquilo que é a história, a raiz e identidade dos covilhanenses. Tem duas ribeiras históricas que fizeram a memória da cidade, assim como a indústria e a serra que fazem parte das páginas mais bonitas da Covilhã.

U@O - Acha o projecto Polis na Covilhã mais ambicioso que os outros?
J.S. - Mais ambicioso não, mas sem dúvida um dos mais bonitos, porque não só recupera valores do património natural, como também valores do património histórico. Aquelas duas ribeiras, Carpinteira e Goldra, são as grandes ribeiras que falam da história da cidade, da serra e da criação da indústria de lanifícios.

U@O - Pensa vir a usufruir de todo este projecto? Em que circunstâncias?
J.S. - Sim, é muito simples. Na circunstância de ser covilhanense.
Uma das coisas que pretendemos fazer é que estes projectos não sejam só para as gerações futuras, mas para esta geração. Por isso queremos que estas grandes intervenções, que têm grande ambição, não sejam apenas projectos para ficar na gaveta, mas que se realizem mesmo.

U@O - Quanto à Universidade da Beira Interior (UBI), que vantagem pode trazer o programa Polis?
J.S. - Conheço razoavelmente bem a UBI e também ela vai mudar completamente com este projecto. Essa decisão, acompanhada de uma requalificação urbana, principalmente na área universitária, vem no momento certo. Chega numa altura em que o Estado tem um gesto de solidariedade com o interior e coloca aqui a Faculdade de Medicina.
A cidade precisa de uma atractividade que ainda não possui, este é o grande desafio. Acho que dentro de dois anos vamos ter uma Covilhã atenta aos desafios do futuro e com consciência que tem de enfrentar alguns desafios de modernidade. É isso que se deve construir: uma Covilhã à altura dos tempos.






  Biografia

José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa nasceu em Vilar de Maçada, a 6 de Setembro de 1957. Filho do arquitecto covilhanense Fernando Pinto de Sousa, José Sócrates cedo revelou a sua tendência para a política.
Depois de frequentar o curso de Engenharia Civil, no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, regressou às origens como engenheiro, para ocupar um cargo na Câmara Municipal da Covilhã.
Entre 1983 e 1996 passou por vários cargos na região da Beira Interior: presidente da Federação do PS de Castelo Branco, deputado da Assembleia da República e membro da Assembleia Municipal da Covilhã. Em 1991 é eleito para o secretariado nacional do PS, onde se torna posteriormente porta voz do PS para as questões do Ambiente. Um cargo que assume até 1995, altura em que se torna secretário de Estado-adjunto da ministra do Ambiente e ministro-adjunto do primeiro ministro.
Actualmente, José Sócrates tutela a pasta do Ambiente e Ordenamento do Território.
É casado e tem dois filhos.