U@O- Nasceu para
a ribalta da política na Beira Interior. O seu percurso
académico foi diferente do da sua geração?
José Sócrates - O meu percurso é
o percurso típico da minha geração.
Fiz o liceu na Covilhã até ao 7º ano,
altura em que se deu a Revolução do 25 de
Abril. Foi aqui que vivi este período importante,
assim como os primeiros anos pós 25 de Abril.
Depois fiz um ano de Serviço Cívico, e posteriormente
fui estudar para Coimbra, para a única área
de engenharia que existia: a Engenharia Civil.
Ainda pensei ir estudar para a Faculdade de Engenharia do
Porto, onde estive inscrito, mas a verdade é que
a faculdade estava em greve e o meu pai achou que devia
ir para a primeira escola superior que estivesse aberta
e que ensinasse engenharia.
Foi então que me inscrevi no Instituto Superior de
Engenharia de Coimbra, onde tirei o bacharelato. Só
mais tarde concluí a licenciatura.
U@O - Depois da vida académica regressou
à Covilhã. Como é que surgiu o gosto
pela política?
J.S. - Depois da experiência universitária
em Coimbra regressei à Covilhã como engenheiro
e trabalhei entre 1982 e 1987 na Câmara Municipal.
A política e o gosto pela política surgiram
fundamentalmente por duas razões. Em primeiro lugar
sempre tive uma grande inclinação pelas
coisas políticas e filosóficas, pelos teóricos
da filosofia e pelos teóricos da sociedade. Por
outro lado, também porque sou um produto da geração
que despertou para a política com o 25 de Abril,
e que se envolveu nos vários movimentos associativos:
partidos, associativismo universitário. Sou uma
consequência disso, desta aprendizagem que todos
nós fizemos nos anos posteriores ao 25 de Abril.
Comecei por ser militante da Juventude Social Democrata
(JSD), em 1974, e lá permaneci até Novembro
de 1975. Só mais tarde entrei no Partido Socialista
(PS).
U@O - O que o levou a trocar de partido?
J.S. - Eu não troquei, foi um incidente.
Na altura eu era um verdadeiro social democrata, como
aliás ainda sou hoje. E mantenho-me fiel a esses
ideais do Socialismo Reformista. Por isso, em 74, inscrevi-me
logo no primeiro partido com o nome de Social Democrata.
Era um dogmático em relação à
Social Democracia e achava que esta seria uma boa resposta
para as sociedades. Inscrevi-me no PSD juntamente com
o meu amigo Jorge Patrão, que é hoje presidente
da Região de Turismo da Serra da Estrela e com
o Luís Patrão, seu irmão.
Mas, em 1975, percebi que o PSD não era um Partido
Social Democrata. O nome não correspondia aos ideais
políticos de um partido liberal. Em 1975 tomei
consciência disso e fiz um grande acto de dissidência,
retirando-me do PSD. Saí no Congresso de Aveiro,
altura em que saíram também outras figuras
como Mota Pinto.
Na época em que frequentei o Ensino Superior não
tinha qualquer filiação partidária,
pertencendo apenas ao Movimento Associativo de Coimbra.
Quando regressei à Covilhã inscrevi-me no
PS, com o qual já tinha ligações,
fundamentalmente através do Jorge e do Luís
Patrão.
U@O - Encontrou grandes dificuldades para se afirmar
no litoral, já que é um "produto"
do interior?
J.S. - Olhe, há ainda uma grande segregação
que tem a ver com a origem e com a província. Não
há mesma igualdade de oportunidades. Isto quer
dizer que as pessoas do interior, para se afirmarem na
corte lisboeta têm de ser muito mais talentosas
que as pessoas de Lisboa. Muito mais mesmo. Sei que isto
pode parecer imodéstia, mas é verdade.
Toda a gente que ocupa lugares de destaque sabe o que
se passa até se chegar à afirmação
política numa corte muito invejosa, muito ciumenta,
muito pequena, também ela própria provinciana.
Olha sempre para quem vem, perguntando se ele saberá
pisar, se tem modos, se será inteligente e se estará
à altura para participar.
Para quem vem do interior a afirmação política
é sempre muito difícil, mas isso não
acontece apenas na política. Isso vê-se também
noutras profissões.
"Estou
indissoluvelmente, para o bem e para o mal, ligado à
Covilhã. Às vezes para o mal, mas a maior
parte das vezes para o bem".
U@O - Apesar de viver em Lisboa, sente ainda uma
grande ligação com a Covilhã?
J.S. - Muita ligação. Eu sou um político
da Covilhã, um político da província.
Aqui nasci para a política, ou melhor, aqui fiz
os meus estudos. Aqui formei o meu carácter e a
minha identidade.
Estou indissoluvelmente, para o bem e para o mal, ligado
à Covilhã. Às vezes para o mal, mas
a maior parte das vezes para o bem.
U@O - E um possível regresso à Covilhã?
J.S. - Agora vivo em Lisboa porque os covilhanenses
me elegeram , primeiro como deputado e agora como membro
do Governo. Mas a Covilhã...
Sabe, quando me falam em voltar eu não encaro isso
como um regresso, pois eu realmente nunca deixei de cá
estar. Eu estou sempre aqui, não me sinto de fora.
Sinto-me a fazer um trabalho para o qual fui eleito, fundamentalmente
pelos covilhanenses e todos os cidadãos do distrito
de Castelo Branco.
U@O - Pensa retirar-se, brevemente, da vida política?
J.S. - Gostaria de me retirar quando algum dos
projectos, pelos quais lutei tantas vezes ao longo destes
anos, estivessem realizados.
Ficava muito satisfeito no dia em que estiver feita uma
ligação de auto-estrada entre Covilhã
e Lisboa. Isto agora está claro como a água,
já que está previsto para 2003, mas vamos
ver. As obras iniciaram-se e agora é só
construir.
Ficava muito satisfeito quando estiver instalada a Faculdade
de Medicina, e ainda com a instalação do
gás natural, que tanto reclamámos na condição
da indústria do interior ter acesso às fontes
de energia mais baratas e mais limpas.
Ficava ainda satisfeito quando a linha da Beira Baixa
estiver melhorada e renovada, assim com electrificada
até Castelo Branco.
Isto agora são só mais dois anos, resta
esperar que o desenvolvimento e a requalificação
urbana da Covilhã e Castelo Branco sejam postas
em prática através do Programa Polis.
U@O - A Covilhã não é um
grande centro urbano. Aconselhava a UBI a algum dos seus
filhos?
J.S. - Sim, porque não? Isto aqui já
é um grande centro urbano. No entanto, temos que
criar aquilo que faz hoje fundamentalmente a atracção
dos centros do saber.
Fixar aqui livros, acho que é a grande aposta que
a UBI deve ter. Não deve apostar apenas nos espaços,
embora estes também sejam importantes. No meu ponto
de vista deve apostar ainda em professores de renome.
Muitas vezes a solução é pagar melhor
para fixar aqui boas cabeças.
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