Por Mariana Morais


A Praça do Pelourinho antes das obras de construção do silo-auto



 
Toponímia da Covilhã
Ruas com História

No dia 1 de Junho, a Câmara Municipal da Covilhã decidiu homenagear personalidades ligadas à cidade, ao concelho e ao País. Com esse fim resolveu atribuir os seus nomes a ruas e avenidas da Covilhã. Este é um hábito já muito antigo. A toponímia do centro histórico da cidade é testemunha do apreço que os covilhanenses consagram àqueles que, de uma forma ou de outra, se destacaram na defesa dos interesses do concelho.
Hoje, damos a conhecer o primeiro de alguns trabalhos acerca as ruas centrais da Covilhã. Como não podia deixar de ser, o primeiro é sobre a Praça do Município, mais conhecida pelo nome de Largo do Pelourinho.


 

A Praça do Município é assim chamada por ter existido um pelourinho no meio da praça. Composto por uma coluna de pedra com uma roca no cimo, o pelourinho foi derrubado em 9 de Maio de 1863.
"As coisas começaram logo mal em 1956, quando deitaram abaixo o prédio da Câmara Municipal. A Covilhã deixou de ter a sua principal referência histórica.", afirma Augusto Caldeira, reformado da indústria hoteleira. No local onde se ergue o edifício dos Paços do Concelho, existia um edifício mandado construir em 1614 por Filipe I. Em meados da década de 50, esta construção setecentista foi demolida para se erguer, no seu lugar, um prédio no estilo "Estado Novo".
No início do século XX, o largo do Pelourinho, como é vulgarmente conhecida a Praça do Município, era o centro aglutinador da vida social e política da cidade. No tempo da I República, os estabelecimentos comerciais ali situados, sobretudo as farmácias, desempenhavam o papel de centros de opinião. Na farmácia Soares reuniam-se os democratas, na farmácia Pedroso os médicos, e no estanco do Barreiros os socialistas. Nos dias de mercado o largo enchia-se de gente. Pelo Carnaval ( que antigamente se chamava entrudo) e quando havia touradas, o movimento era grande.

Cafés só para homens

Por volta de 1914 abriu as portas ao público a Confeitaria Lisbonense. Fundada por um espanhol, o senhor Paco, este estabelecimento fez parte, durante muitos anos, juntamente com o Montalto e o Montiel, do triângulo dos cafés do Pelourinho. O actual proprietário, José Correia Cunha, veio trabalhar para a Lisbonense em 1948, com 13 anos apenas. "Era a única pastelaria da cidade. Naquele tempo, as mulheres não frequentavam os cafés e mesmo os homens eram poucos. Tínhamos uma dúzia de clientes certos, quase todos industriais dos lanifícios", conta o senhor José Cunha mais conhecido como "José da pastelaria". As mulheres também não entravam no café Montalto, a não ser na parte reservada à pastelaria, para tomar chá. "Mas só senhoras, os cavalheiros ficavam do lado do café", conta Lídio Alves, comerciante e antigo empregado do Montalto. De resto, apenas frequentavam a sala de jantar, no primeiro andar, mas só acompanhadas pelos pais ou maridos. "Depois do 25 de Abril é que as mulheres começaram a ter à-vontade para entrar nos cafés da Covilhã", recorda o proprietário da Lisbonense.

A sala de visitas da Covilhã
Com a construção do edifício do Teatro-Cine e do café Montalto, na década de 50, o Largo do Pelourinho ganhou novos espaços de convívio. O café Montalto foi, até ao seu encerramento em 1986, a sala de visitas e o principal ponto de encontro da Covilhã. "Naquele espaço passaram-se coisas muito importantes. Acontecimentos políticos, reuniões de negócios, tudo acontecia naquela casa", salienta Lídio Alves. Inicialmente, o Montalto era a casa que as pessoas mais abastadas da Covilhã frequentavam. Era o café dos grandes industriais e comerciantes. Com o passar do tempo, debuxadores, empregados e alguns tecelões foram conquistando o seu próprio espaço. Toda a Covilhã que fazia tecidos reunia-se ali. "Às vezes, no "Tunel", uma sala mais reservada, faziam-se convívios até de madrugada. A pretexto de se comer um cabrito falava-se de tudo, até de política ", lembra José Pinho, gestor comercial, filho de Santos Pinho, gerente do café Montalto durante muitos anos.
Mais tarde, já nos anos 60, abriu o café Montiel. Tinha, além do café, restaurante e snack-bar. "Era uma casa de luxo, com porteiro. As pessoas não entravam lá vestidas de qualquer maneira. Com o 25 de Abril tudo isso mudou e o Montiel passou a ser frequentado por toda a gente", conclui o senhor José.


As obras do silo-auto

A introdução, em 1958, das paragens de autocarro e do estacionamento de automóveis assim como o encerramento do café Montalto em 1986, fizeram desaparecer as funções de centro cívico que o Largo do Pelourinho desempenhava. Em 1987, o Largo passou a ter um novo arranjo. A placa central desapareceu dando lugar a um espaço onde árvores, canteiros ajardinados e bancos ajudaram a criar um ambiente propício a amenas cavaqueiras. Até a estátua de Pêro da Covilhã ajudava à conversa, com a polémica que provocava.
O café-esplanada "O Verdinho" contribuía para a existência de um local de convívio muito procurado pelos habitantes da Covilhã.
Agora os tempos são outros. O Largo do Pelourinho está todo virado do avesso. Há terra e buracos por todo o lado. Enquanto esperam por melhores dias, aos frequentadores habituais só resta debruçarem-se sobre as vedações e observar as obras. O novo motivo de interesse é ver a destruição das placas para o silo-auto, recentemente acabadas de construir. São as obras do faz e desfaz, como se diz com ironia .

 

 

 

 

Humberto Delgado no Teatro-Cine

Em Maio de 1958, tinha Augusto Caldeira 18 anos, deu-se no Pelourinho um acontecimento que ainda hoje recorda. Nesse ano houve eleições para a Presidência da Republica. O candidato da oposição, general Humberto Delgado, veio à Covilhã participar num comício no Teatro-Cine. Nessa altura, existia na Covilhã o Regimento de Caçadores 2 cujo quartel se situava onde hoje está instalado o pólo 1 da UBI. O governo de Salazar, à cautela, pôs todos os militares de prevenção, até mesmo os que já tinham passado à reserva. "Mas, aconteceu o inesperado. Quando a caravana de Humberto Delgado passou junto aos portões do quartel, centenas de soldados gritaram Humberto!, Humberto!", lembra Augusto Caldeira. O candidato chegou ao Teatro-Cine e o comício realizou-se. A sala estava cheia, apesar de o Pelourinho se encontrar cercado pela polícia. À saída é que foram elas. A polícia carregou sobre os apoiantes do candidato da oposição apesar de alguns se terem refugiado dentro dos cafés.